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Publicado em: 20/10/2022 | Atualizado em: 21/10/2022

Pandemia de Covid-19 influencia população de estreptococos em gestantes

Paula Guatimosim

A pesquisa é conduzida por equipes do Instituto de Microbiologia e da Maternidade Escola, ambos da UFRJ, em colaboração com a UK Health Security Agency, do Reino Unido (Fotos: William Santos/Maternidade Escola UFRJ e Tatiana Pinto)

Resultados de um artigo (https://www.mdpi.com/2076-0817/11/10/1104/htm) recentemente publicado na Pathogens, revista internacional de acesso aberto, publicada mensalmente online pela editora suíça de publicações científicas MDPI, mostram uma mudança nos resultados de um protocolo da rotina de exames em gestantes acompanhadas na Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O estudo é conduzido por uma equipe do Departamento de Microbiologia Médica do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes e da Maternidade Escola, ambos da UFRJ, em colaboração com a UK Health Security Agency, do Reino Unido. A primeira autora do artigo, Natália Silva da Costa, é bolsista de Pós-doutorado Sênior, da FAPERJ, e Tatiana de Castro Abreu Pinto, autora correspondente do artigo, também conta com bolsa de Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE), da Fundação.

A pesquisa desvenda consequências da pandemia de Covid-19, alterando resultados do protocolo de rotina de acompanhamento de gestantes no que se refere à presença da bactéria Streptococcus. Tatiana conta que a descoberta foi inesperada, pois a Maternidade Escola da UFRJ desde 2008 faz o acompanhamento de gestantes e o percentual de resultados de exames positivos para o Streptococcus do grupo B (GBS) vem se mantendo entre 15% e 25% do total de grávidas acompanhadas. No entanto, durante a pandemia do novo coronavírus apenas 5% das gestantes apresentaram resultado positivo. 

“Checamos se poderia haver algum problema na coleta, que é feita com swab anovaginal, mas não era; também verificamos que não houve redução no número de gestantes acompanhadas, assim como também não houve mudança no perfil sociodemográfico da população atendida, por isso precisávamos investigar mais o porquê dessa anormalidade”, explicou Tatiana. Segundo a microbiologista, a equipe se dedicou a analisar os dados de janeiro de 2019 a março de 2020 (início da pandemia) e até o final de 2021, avaliando a prevalência e as características da bactéria. O que se viu foi a queda da prevalência para apenas 5% das gestantes acompanhadas e um expressivo aumento da resistência do GBS a alguns antibióticos.

Uma das hipótes para a redução da presença da bactéria em gestantes durante a pandemia é a adoção de hábitos de higiene mais rigorosos 

Entre as hipóteses consideradas pela equipe de pesquisa para essa mudança no resultado do protocolo são multifatores, entre eles os novos hábitos adotados pela população, em especial pelas grávidas, durante a pandemia, como a higiene mais rigorosa, incluindo o uso de álcool gel e de sabonetes antissépticos. O estudo também leva em conta o distanciamento social e as medidas restritivas, que podem ter reduzido a frequência de relação sexual entre as gestantes e seus parceiros. Esses novos hábitos podem ter levado a mudanças na composição da microbiota do sítio anal-vaginal de gestantes, local onde geralmente se encontra o GBS. Na opinião dos pesquisadores, o uso de máscara certamente reduziu a transmissão de bactérias respiratórias, como pneumococos e meningococos, mas a redução de prevalência de uma bactéria habitante do sitio anal-vaginal após o início da pandemia foi uma surpresa. Quanto ao aumento da resistência do Streptococcus aos antibióticos, as pesquisadoras consideram que pode ser resultado do uso preventivo e ou indiscriminado desse tipo de medicamento durante o surto de Covid-19.  Os dados analisados em 2022 já revelam a volta da prevalência da bactéria em mais de 10% das gestantes acompanhadas, mas, segundo Tatiana, é necessário acompanhar os exames por mais tempo para analisar se as cepas resistentes serão as prevalentes a partir de agora. 

O Streptococcus do grupo B é uma das principais bactérias causadoras de infecções neonatais, como pneumonia ou meningite, parto prematuro, aborto ou natimorto. Os tratos geniturinário e gastrointestinal das gestantes são a principal fonte de transmissão aos recém-nascidos, que podem sofrer malformações. O estudo conclui que considerando que as medidas de controle e prevenção relacionadas ao início da pandemia de Covid-19 impactaram outras doenças infecciosas, esses resultados evidenciam a necessidade de vigilância contínua do GBS entre gestantes na era pós-pandemia. A continuação desses estudos é um dos alvos do Projeto MiNeRVA, coordenado por Tatiana e financiado pelo edital Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro, da FAPERJ.

Tatiana Pinto: a atração pelos seres invisíveis durante a juventude foi objeto de estudo no doutorado e tornou-se uma paixão

Natália Silva da Costa diz que o GBS é um importante agente de infecções neonatais que pode estar presente no sítio vaginal de até 40% das mulheres gestantes. Apesar de em muitos países ser realizada a triagem em mulheres gestantes para essa bactéria, isso não ocorre no Brasil de forma ampla e rotineira. Portanto, através da realização deste estudo é possível avaliar a taxa de prevalência do GBS na população gestante do Rio de Janeiro, além de investigar características das cepas bacterianas circulantes, como a resistência a antibióticos, considerando os cenários pré e durante a pandemia. Dessa forma, através do conhecimento desses dados e da compreensão das alterações observadas é possível direcionar políticas públicas visando a prevenção e o tratamento das infecções causadas por essa importante e negligenciada bactéria. 

Devido à relevância da pesquisa, Tatiana, que é também Emerging Leader in Infectious Diseases pela International Society for Infectious Disease (ISID), e sua equipe foram convidadas a sediar a terceira edição do "International Symposium on Streptococcus agalactiae Diseases (ISSAD)", em 2023, no Rio de Janeiro. A primeira edição ocorreu na África do Sul e a segunda no Reino Unido. O evento também conta com o apoio da FAPERJ, por meio do edital de Apoio a Eventos Científicos, além do CNPq e da Fundação Bill e Melinda Gates. Website do evento: https://www.issad.org/. Entre diversos temas, o evento deverá discutir o lançamento de uma vacina, fruto de 40 anos de pesquisa e um dos principais objetivos da Organização Mundial da Saúde (OMS)  para reduzir a meningite neonatal. 

Aos 39 anos, Tatiana Pinto conta que desde menina era atraída por esse “universo de seres invisíveis que podiam causar doenças”, mas que a área perinatal foi um acaso. A curiosidade, aguçada durante o segundo grau, virou objeto de estudo durante o Doutorado no Instituto de Microbiologia Paulo de Goes, e pós-doutorado, no Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFRJ. Doutora em Ciências, a pesquisadora conta que durante sua gravidez foi contaminada pelo Streptococcus, mostrando que, apesar de negligenciada, essa bactéria é uma ameaça para as gestantes e seus bebês. “Eu mesma coletei e isolei a bactéria, que hoje faz parte da nossa coleção de culturas”, conta a professora da UFRJ desde 2014. À época, ela fez o tratamento recomendado, à base de penicilina, e teve um bebê saudável, hoje com sete anos e diz que definitivamente se apaixonou por esse universo. 

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