Por Ascom Faperj*
Gráfico exibe resultados da pesquisa, publicados em artigo no periódico Journal of Clinical Immunology de elevado 'fator de impacto' entre as publicações científicas |
Estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor) busca investigar as causas de lesões no coração encontradas após infecção pelo vírus da COVID-19. Os resultados foram divulgados em artigo publicado no periódico Journal of Clinical Immunology, que possui elevado "fator de impacto" entre as publicações científicas. A pesquisa, que contou com a colaboração de integrantes da Rede D’Or, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), apontou que alterações do sistema imunológico podem estar envolvidas com a lesão do músculo cardíaco em pacientes hipertensos que haviam contraído o vírus da COVID-19. O trabalho recebeu apoio da FAPERJ, por meio de editais lançados para enfrentamento da pandemia de COVID-19, alguns deles em caráter "emergencial", e outros relacionados à rede Cardio-COVID-19.
A lesão cardíaca, definida como elevação significativa da troponina cardíaca, é a anormalidade cardíaca mais frequentemente relatada em pacientes hospitalizados com COVID-19. Um estudo anterior do mesmo grupo de pesquisadores sugere que a dosagem de troponina é importante para melhorar a previsão do risco cardíaco nesses pacientes.
Dentre as comorbidades associadas à COVID-19 e à lesão miocárdica, a hipertensão aparece com maior prevalência, e uma desregulação do sistema imunológico pode estar associada a essa complicação. O objetivo da pesquisa foi investigar o funcionamento do sistema imunológico destes pacientes e identificar marcadores biológicos que possam ajudar a entender melhor a lesão miocárdica.
O estudo incluiu 193 pacientes hipertensos com COVID-19, divididos em dois grupos: 47 casos com lesão miocárdica e 146 sem lesão miocárdica (grupo controle). Foram realizadas análises comparativas entre os grupos, levando em consideração marcadores biológicos e subconjuntos de células imunes. Os resultados revelaram diferenças significativas nos perfis imunológicos entre os dois grupos.
De acordo com o coordenador da pesquisa, o biofísico Emiliano Medei, o resultado do trabalho permitiu entender melhor como o vírus da COVID-19 consegue gerar alterações, não apenas nos pulmões e no sistema respiratório, mas também em pacientes hipertensos. "O estudo demonstrou que uma desregulação, ou seja, uma alteração no sistema imunológico, é responsável por gerar danos no coração. A partir desses dados, poderemos trabalhar de forma mais eficaz na concepção de tratamentos e na busca por novas ferramentas a fim de combater esse importante dano provocado em nosso organismo por essa doença", disse Medei, professor do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF/UFRJ) e pesquisador do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino (Idor). Ele conta com apoio da FAPERJ para a realização de suas pesquisas por meio do programa Cientista do Nosso Estado.
Parte da equipe que trabalhou na pesquisa, que contou com a participação de 25 integrantes de diversas instituições de ensino e pesquisa. Na foto estão o coordenador do estudo, o biofísico Emiliano Medei (3º a partir da dir.) e a primeira autora do artigo, a cardiologista Renata Moll Bernardes (2ª a partir da dir.) Foto: Divulgação |
Para a cardiologista Renata Moll Bernardes, primeira autora do artigo e pesquisadora do Idor, um estudo prévio do grupo observou um grande número de pacientes hipertensos com troponina aumentada durante a hospitalização por COVID-19. "A presença desta proteína no sangue indica que houve lesão do músculo cardíaco, e este achado se associou com pior prognóstico e maior mortalidade. No último estudo conseguimos entender melhor como o sistema imune está envolvido nesta lesão do músculo cardíaco", destacou.
O grupo de pesquisa já havia demonstrado em um estudo anterior que as IL-12 (p70) e IL-10 obtidas na admissão hospitalar, junto com algumas comorbidades clínicas, podem ser marcadores biológicos associados ao aumento do agravamento da COVID-19 em pacientes hipertensos. De maneira geral, as citocinas consistem em grupos de proteínas, produzidas por muitos tipos celulares, que regulam a resposta imune no organismo. A tempestade de citocinas, ou seja, a hiperativação do sistema imunológico devido à infecção por SARS-CoV-2 pode gerar uma inflamação sistêmica. No presente estudo, as citocinas IL-ra, IFN-γ, MIP-1α, MIP-1β, IL-17A, TNF-α e TNF-β apresentaram níveis mais altos no grupo dos pacientes com lesão miocárdica em comparação com o controle.
Outra característica importante no quadro de COVID-19 é a linfopenia, isto é uma redução dos linfócitos, células envolvidas na resposta imunológica, que está fortemente associada à progressão da gravidade da doença. Os pesquisadores constataram uma diminuição na contagem total de linfócitos, principalmente de linfócitos T nos pacientes com lesão miocárdica. Esse resultado estava de acordo com um estudo anterior, que identificou o comprometimento da imunidade regulada pelas células. Vale destacar que também foi observada uma ativação desregulada de subconjuntos específicos de células imunológicas NK e CD8+.
Em resumo, os resultados deste estudo fornecem novos elementos para entender os possíveis mecanismos de lesão miocárdica em pacientes hipertensos com COVID-19. A desregulação imunológica, caracterizada por níveis alterados de citocinas e ativação de subconjuntos celulares imunes, parece desempenhar um papel importante nessa complicação, sendo fatores que podem ser úteis na previsão da lesão miocárdica em pacientes hipertensos com COVID-19. Essas descobertas contribuem para uma melhor compreensão da doença e podem auxiliar no desenvolvimento de estratégias de tratamento mais eficazes.
* Com informações da Assessoria de Comunicação do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino (Idor)