Paula Guatimosim
Em cada andar da torre os visitantes têm contato com uma tecnologia socioambiental, como energia solar, compostagem e aproveitamento da água da chuva (Imagem maquete: AAA) |
Um projeto de economia circular e inovação tecnológica, a Torre Verde – Rocinha, primeira do Brasil, começou a receber a visita de alunos de duas escolas da comunidade. Contemplado no edital Apoio às Bases para o Parque de Inovação Social e Sustentável na Rocinha, da FAPERJ, o projeto adota um conjunto de práticas de tecnologia socioambiental e pretende servir de modelo para replicação. O sistema inclui geração de energia através de placas solares, captação de água da chuva para irrigação automática de hortas e jardins suspensos e transformação de resíduo orgânico em adubo através de uma aceleradora de compostagem.
A torre é uma estrutura de andaime com quatro pavimentos, dimensão total de 5m x 5m x 12,5m, incluindo uma rampa de acessibilidade. No nível mais alto foram instaladas oito placas solares para a geração de energia limpa. No terceiro andar ficam acomodadas quatro caixas d’água de 500 litros cada e é também o local da horta comunitária para a produção de alimentos orgânicos. No segundo nível, com rampa de acesso à torre, há um local para manuseio de mudas e adubo e o andar térreo, reservado para armazenamento de material. A aceleradora de compostagem, a mesa trituradora e a balança ficam em uma sala de uma das escolas, próxima à torre.
Segundo Monica Garcia, uma das idealizadoras do projeto e diretora da Entrelaces (Associação Brasileira de Pesquisa e Projetos em Educação), a Torre verde foi um processo de aprendizado e construção, com a ajuda do ex-presidente e atual conselheiro da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), José Alberto Sampaio Aranha. “Temos aprendido muito ao longo do processo, que começou com uma ideia e foi se adaptando a partir da realidade em campo”, explica. No início, chegou a ser recusado pela FAPERJ, que exigia um local determinado, com matrícula no Registro Geral de Imóveis (RGI) para sua implantação. O que parecia um obstáculo acabou sendo o caminho para o local ideal do protótipo da torre, que passou a ocupar o pátio das escolas municipais CIEP Doutor Bento Rubião e Luiz Paulo Horta (na Estrada da Gávea, 522), nas quais estudam 780 alunos do ensino fundamental.
Monica conta que o momento fundamental na concepção da torre foi quando o arquiteto Rodrigo Azevedo, da Azevedo Agência de Arquitetura (AAA), parceiro do projeto, sugeriu uma estrutura vertical em vez de horizontal, devido à falta de espaço na comunidade. “Foi o que validou nossa proposta”, afirma Monica. Nos seis meses desde a assinatura do contrato, Monica, que é especialista em gestão financeira, foi ajustando o projeto em função do orçamento e das interações com os diversos parceiros. Para se ter uma ideia, só o aluguel dos andaimes custa R$ 12.500 por mês.
Crianças das escolas municipais CIEP Doutor Bento Rubião e Luiz Paulo Horta já estão conhecendo a Torre Verde (Fotos: Monica Garcia/Entrelaces) |
A Torre Verde – Rocinha (@projeto_torre_verde) é um esforço de colaboração, uma parceria público-privada (PPP), viabilizada através do apoio técnico da ONG Entrelaces (www.entrelaces.org), da Azevedo Agência de Arquitetura (www.aaa.com.br), da Impacto Insolar Painéis Solares, da Atuação Ambiental AMB&TECH (www.ambtech.eco.br), da Aceleradora de compostagem DarVida, da Cooperativa Popular Amigos do Meio Ambiente (Coopama), da Minha Coleta logística de resíduos, do Instituto TJM (Tamo Junto) Rocinha. “Além dos recursos investidos, o edital da FAPERJ teve o mérito de trazer várias universidades para interagir com os projetos de campo”, ressalta a economista formada na Bentley University, nos Estados Unidos, com MBA em Finanças pelo Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (IBMEC).
O principal objetivo da Torre Verde é a disseminação da economia circular, baseada nos pilares dos 3R’s (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) para alunos, familiares, professores, diretores, funcionários etc. A meta é reduzir os impactos ambientais gerados pelo lixo (orgânico e inorgânico), transformar os resíduos orgânicos em adubo; gerar energia verde; desenvolver um modelo de subsistência através de hortas comunitárias que produzam alimentos orgânicos em um sistema de policultivo; promover a valorização social e geração de renda através da contratação de mão de obra local e promover o entrelaçamento cultural e a troca de saberes entre a comunidade da Rocinha e governos, empresas, sociedade civil e universidades.
Com inauguração marcada para 18 de novembro, quando passará a receber visitantes, a Torre Verde já está acolhendo as turmas de alunos das duas escolas, que, de capacete, uma recomendação do engenheiro de segurança, têm a experiência literal de colocar a mão na massa – no caso a terra – e demais insumos, como o adubo obtido pela reciclagem do lixo orgânico das duas cozinhas das escolas, usados na horta comunitária e nas jardineiras, distribuídas ao longo da estrutura como forma de guarda-corpo. A torre, que à noite recebe uma iluminação arroxeada, específica para estimular o crescimento das plantas, acaba funcionando como um living lab (laboratório aberto) para os alunos. Giliard Barreto, morador e agente comunitário da comunidade, com a ajuda da engenheira agrícola e ambiental Beatriz Giglio, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) é quem está responsável por receber as visitas à torre, que até 15 de novembro estão restritas aos alunos. “A Torre tem sido um exemplo de organização social na forma de negócio”, diz Monica.
Monica Garcia: para a diretora da Entrelaces, a Torre tem sido um exemplo de organização social na forma de negócio |
O projeto piloto visa o teste do produto viável mínimo (MVP) para replicação em maior escala, visando o mercado de produção e comercialização de créditos de carbono. O potencial de redução de resíduo orgânico da Torre Verde é de 90 kg diários (seis ciclos de 15kg), equivalente à 450kg por semana ou 1,8 tonelada ao mês. Considerando que uma tonelada de carbono removido do meio ambiente é o equivalente a um crédito de carbono, cada unidade será capaz de gerar 21.6 toneladas de resíduo orgânico transformado em adubo por ano, equivalentes a 21,6 créditos de carbono. A Torre Verde - Rocinha também incluirá um sistema de QR code em todos os equipamentos da torre, redirecionando os alunos para o material pedagógico que está sendo produzido pelo projeto. Além disso, funciona como um showroom dos produtos e serviços oferecidos a possíveis interessados.
Na atual fase, a Entrelaces pretende buscar apoiadores para que o projeto possa se manter no local proposto após o término do prazo contratual, e também multiplicá-lo em outras escolas e instituições pelo Rio de Janeiro e no restante do País. O projeto integra o Parque de Inovação Social e Sustentável na Rocinha, que faz parte de uma rede integrada que inclui a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico e Emprego e Relações Internacionais (Sedeeri), Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (Seas) e Secretaria Municipal de Educação (SME) do Rio de Janeiro. A Associação Brasileira de Pesquisa e Projetos em Educação (Entrelaces) foi fundada em 2000 por um grupo de profissionais das áreas de Educação, Saúde, Economia, Psicanálise e Direito, com o objetivo de transformar o cenário social local através do entrelaçamento das diversas áreas do saber.