Paula Guatimosim
A partir de exames de imagem, foi possível imprimir os fetos de quadrigêmeos e saber exatamente a posição de cada um e qual nasceria primeiro (Fotos: Jorge Lopes e Mario Silva Lima) |
Considerada uma das tecnologias essenciais da chamada 4ª Revolução Industrial, a impressão 3D, também conhecida como manufatura aditiva, permite a fabricação de um objeto tridimensional, criado pela deposição sucessiva de camadas de material a partir de um modelo digital de três dimensões. Além de dispensar o uso de moldes, a impressão 3D permite a construção de formas que seriam inviáveis em outras técnicas de produção e a combinação de diversos materiais (sintéticos e orgânicos). Diante de um campo tão promissor, as universidades brasileiras vêm realizando investimentos em tecnologias 3D e cursos para capacitação de seus acadêmicos e futuros profissionais.
O professor de Design Jorge Lopes, pesquisador do Laboratório Biodesign da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e também coordenador do Centro de Projetos Tecnológicos do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), foi quem trouxe dos Estados Unidos, quando ainda trabalhava no Instituto Nacional de Tecnologia (INT), a primeira máquina de impressão 3D para o Brasil, em 1997. Dia 11 de novembro de 2022, durante cerimônia de 100 anos do INT, o pesquisador recebeu a Medalha de Mérito por sua contribuição à história e aos resultados do instituto nas últimas décadas.
Formado em Desenho Industrial, Jorge Lopes vem aplicando a impressão 3D, de forma transdisciplinar, em diversas áreas da ciência como paleontologia, egiptologia, engenharia e medicina, área na qual também pesquisa bioimpressão. Foi ele quem imprimiu o primeiro modelo 3D de feto, ainda no útero, da história. No caso, era seu filho Lucca, hoje com 13 anos, a partir do exame de ultrassom de sua esposa. Esse modelo 3D pioneiro faz parte da coleção permanente do Science Museum de Londres. O feto em 3D de sua filha Alice também já esteve em exposição na fundação Onassis em Atenas (Grécia), onde a técnica foi considerada umas das 10 maiores contribuições da impressão 3D da história.
Tema de sua tese de doutorado e de uma parceria bem-sucedida com o médico especialista em medicina fetal Dr. Heron Werner, que junto com Lopes é responsável pela criação do Laboratório Biodesign, idealizado entre o grupo DASA e a PUC-Rio, a técnica hoje é amplamente utilizada, como no acompanhamento do caso de quadrigêmeos. A tecnologia também permite que casais deficientes visuais conheçam seu futuro filho ou filha a partir do feto impresso em três dimensões.
A visualização e navegação em arquivos de Ressonância Magnética através de tecnologias de realidade virtual e aumentada é outro recurso valioso utilizado para o acompanhamento de malformações durante a gravidez. Os trabalhos utilizando todas essas tecnologias 3D em medicina fetal já produziram dezenas de artigos em publicações científicas, sendo 12 vezes capa de periódicos (journals) científicos internacionais.
Modelos de cérebro foram fundamentais para apoiar uma cirurgia de separação de gêmeos siameses unidos pelo crânio |
Modelos virtuais e físicos de cérebro também foram fundamentais para apoiar uma cirurgia para a separação dos gêmeos siameses unidos pelo crânio no Rio de Janeiro, realizada pelo médico Gabriel Mufarrej, em nove etapas cirúrgicas. Lopes garante que a apoio da FAPERJ tem sido fundamental para o desenvolvimento dos projetos utilizando essas tecnologias 3D e atualmente também realiza pesquisas no Impa, junto com o pesquisador Luiz Velho, do Laboratório Visgraf, no ambiente 3D de Metaverso, que integra as realidades virtual e expandida e permite, por exemplo, a visualização e manipulação em alta resolução, de um resultado de exame e entre médicos que estão em países diferentes.
Na área de impressão 3D para patrimônio cultural, Jorge Lopes também foi responsável, junto com o coordenador do Laboratório de Processamento de Imagem Digital – Lapid, o paleontólogo Sergio Azevedo, e o egiptólogo Antônio Brancaglion (in memorian), por um projeto transdisciplinar, também apoiado pela FAPERJ, que escaneava e tomografava as coleções do Museu Nacional/UFRJ, gerando milhares de arquivos 3D da coleção, que atualmente permitem a impressão 3D de réplicas de várias peças perdidas no incêndio de 2018.
Uma das curiosidades desse trabalho transdisciplinar, conta o pesquisador, foi quando, em 2004, durante a tomografia de um importante caixão com a múmia egípcia Sha Amun Em Su, da coleção do Museu Nacional, revelou internamente a presença de um amuleto em pedra esculpida em formato de escaravelho. O curioso é que, após o caixão ser consumido pelo incêndio, o escaravelho foi encontrado pela equipe de resgate do Museu Nacional nas escavações pós-incêndio. São também fruto do seu trabalho junto com Sergio Azevedo as impressões 3D que utilizam a cinza resultante do incêndio como matéria prima para a impressão 3D de diversas peças, como o crânio da Luzia e peças da coleção egípcia.
“Sempre estamos adaptando e trazendo novas tecnologias como suporte para o desenvolvimento da ciência”, diz Lopes, que defende o conceito de transdisciplinaridade e a união de diversas competências e conhecimentos em vez de iniciativas isoladas. O pesquisador, apaixonado por jipes (ele tem dois de verdade na garagem de casa) poderia imprimir em 3D o modelo que quisesse. No entanto, prefere manter uma coleção de dezenas de miniaturas icônicas do famoso carro, como o jipe dos personagens de quadrinhos Recruta Zero, os jipes dos filmes de James Bond e os jipes usados pelo personagem de quadrinhos Tintim em suas aventuras.
A revolução esperada com a bioimpressão
Outra área que vem revolucionando a medicina é a bioimpressão, que utiliza células e materiais biológicos na impressão 3D de tecidos e órgãos. Aluno de doutorado de Jorge Lopes, Mario Ricardo da Silva Lima também desenvolve no laboratório Biodesign modelos 3D de tecidos, órgãos e tumores. Mestre em Design pela PUC-Rio, o designer é também um dos coordenadores do Nite (Núcleo de Inovação, Tecnologia e Educação) da Fundação Cecierj.
“A partir do mesmo conceito de deposição de camadas da impressão 3D, a bioimpressão utiliza biomateriais e células, para reproduzir tecidos e órgãos, o que pode reduzir a fila de transplantes e o risco de rejeição no futuro. A técnica permite terapias individualizadas, já que utiliza material coletado do próprio paciente”, explica Lima.
Bioimpressão de scaffold 3D com alginato no BiodesignLab, da PUC-Rio |
Segundo o pesquisador, na bioimpressão se trabalha com biotintas - materiais biocompatíveis, orgânicos ou sintéticos, acrescidos de células. Elas são misturadas, em geral, com hidrogéis - como o alginato, gelatina ou ácido hialurônico, entre outros. “Esse meio, com alto teor de água, mimetiza a matriz celular do nosso corpo”, explica o pesquisador. A biotinta é então bioimpressa em 3D, produzindo matrizes tridimensionais, os scaffolds (arcabouços), que funcionam como suporte e substrato para as células se multiplicarem e formarem o tecido escolhido.
“Nossa meta é, no futuro, imprimir órgãos funcionais – como o coração, por exemplo – para reduzir ou até mesmo zerar a fila de transplantes no País, além de minimizar o risco de rejeição ao órgão implantado, já que as biotintas utilizam células do próprio paciente”, afirma o doutorando. Além disso, acrescenta ele, há possibilidade de desenvolvimento de biocurativos ou enxertos de pele e ossos, visando a reconstrução de membros e órgãos. “A bioimpressão e a engenharia de tecidos são campos bastante promissores, inclusive no Brasil”, garante.
A bioimpressão permite também o desenvolvimento de terapias individualizadas, como, por exemplo, a bioimpressão de células tumorais de um paciente para o teste de eficácia de fármacos e tratamentos. Outra possibilidade, segundo o biodesigner, é a produção de chips contendo células de diferentes órgãos, simulando a atuação de medicamentos no organismo, por exemplo.
Mario Ricardo da Silva Lima (esq.) é aluno de doutorado de Jorge Lopes e ambos defendem a interdisciplinaridade (Fotos: arquivos pessoais) |
O trabalho de aliar o design ao cultivo celular que Mario Lima desenvolve no Biodesign é realizado em parceria com a pesquisadora Sara Gemini-Piperni, do Laboratório de Biotecnologia Bioengenharia e Biomateriais Nanoestruturados (LaBεN) da UFRJ e a bióloga Jéssica Dornelas, da Unidade de Pesquisas Clínicas do Hospital Universitário Antonio Pedro, da Universidade Federal Fluminense. Dessa parceria surgiu a bioimpressão de um scaffold 3D contendo células ósseas. Outro detalhe que o pesquisador ressalta é que as impressoras usadas no laboratório são nacionais e de alta qualidade.
“Sempre vi o design como um campo interdisciplinar que dialoga com várias áreas a fim de trazer melhorias para a sociedade”, diz Mario Lima, que é irmão de uma médica especializada em radioterapia. Apaixonado pela impressão 3D, ele possui quatro diferentes modelos e muitas vezes afirma, brincando, que seu desejo é descobrir a cura do câncer.