Débora Motta
Hipertensão sensível ao sal: condição agrava o quadro da doença em aproximadamente 60% dos pacientes hipertensos (Foto: Jcomp/Freepik) |
Doença silenciosa relacionada a complicações cardiovasculares, a hipertensão acomete mais de 30 milhões de brasileiros em idade adulta, segundo o Ministério da Saúde. No mundo, o número de adultos com hipertensão entre 30 e 79 anos saltou de 650 milhões para 1,28 bilhão nos últimos 30 anos, de acordo com abrangente análise de dados reunidos pelo Imperial College London e Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgada em 2021. Diante desse quadro, pesquisa desenvolvida no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ICB/UFRJ) investiga os mecanismos bioquímicos de uma condição comum entre pacientes com hipertensão: o aumento ainda maior da pressão arterial devido ao consumo de sódio, conhecida como hipertensão sensível ao sal.
“O consumo aumentado de sal provoca uma hipertensão exagerada e de difícil controle com medicamentos. Não se sabe, na literatura médica, o que causa essa sensibilidade maior ao sal em pacientes hipertensos. Nunca foi identificada uma molécula dentro da célula que responda a um ambiente com muitos íons de sódio. Nosso objetivo é investigar esse mecanismo dentro das células renais de ratos. Entender esse caminho é o primeiro passo para identificar o tratamento farmacológico mais preciso ou mesmo desenvolver novos medicamentos para esses pacientes”, disse a coordenadora do estudo, Lucienne da Silva Lara, professora e pesquisadora do ICB e do Centro de Pesquisa em Medicina de Precisão da UFRJ.
No estudo, a equipe do ICB/UFRJ identificou que a chave para desvendar esse mecanismo está na análise de componentes localizados no interior das células renais, que respondem efetivamente a variações de sódio no ambiente. Observando um modelo pré-clínico, os pesquisadores mostraram que em ratos sadios submetidos à elevada ingestão de sal estes componentes intracelulares têm suas atividades elevadas, contribuindo para a retenção de sódio e líquido.
A coordenadora do projeto, Lucienne Lara (à esq.), e a aluna Dayene Gomes, bolsista de Doutorado Nota 10 da FAPERJ (Foto: Divulgação/UFRJ) |
“Identificamos um sensor de sódio presente na membrana das células renais, denominado Nax. Ele é ativado quando a concentração de sódio aumenta e funciona como um canal, permitindo que o sódio entre na célula. Isso ativa uma proteína induzida pelo sal, chamada SIK. Observamos que, como um telefone sem fio, a SIK induz um transportador, a Sódio-Potássio-ATPase [(Na++K+)ATPase], a reabsorver mais sódio do que o normal. Essa enzima ativada, por sua vez, faz com que a pessoa reabsorva muito sódio, o que pode explicar a sensibilidade aumentada ao consumo de sal em pacientes hipertensos”, resumiu a pesquisadora.
“O mérito da pesquisa está em descrever um mecanismo reunindo esse trio de componentes intracelulares, que nunca havia sido descrito”, destacou Lucienne, que se dedica a essa linha de pesquisa desde 2012 e recebeu apoio da FAPERJ para a realização do estudo por meio do programa Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE). A pesquisa resultou na publicação de artigo na revista científica International Journal of Molecular Sciences (https://www.mdpi.com/1422-0067/24/9/7887), que tem entre seus autores a bolsista de Doutorado Nota 10 da FAPERJ Dayene S. Gomes, que desenvolve seus estudos sob a orientação de Lucienne.
A coordenadora do projeto destaca que a sensibilidade aumentada ao sal entre pacientes com hipertensão arterial representa um desafio para a saúde pública no Brasil e no mundo. “Esta sensibilidade exagerada ao sal acomete aproximadamente 60% dos pacientes com diagnóstico de hipertensão, que precisam de medicamentos por muitos anos, e essa é a questão que impacta os sistemas de saúde e que precisamos compreender melhor. É bem sabido que quem tem pressão alta deve fazer o controle do sal em sua alimentação. Esse controle, quando bem feito, pode reduzir o número de medicamentos utilizados no tratamento da hipertensão arterial. Infelizmente a alimentação do brasileiro, cada vez mais industrializada, é rica em sal, usado como conservante na fabricação de alimentos, muitos até com sabor adocicado”, concluiu.