Débora Motta
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Teste de germinação da ora-pro-nóbis, utilizando o modelo de 'solo' marciano, na Uerj: espécie vegetal, reconhecidamente nutritiva, foi a que melhor se adaptou às condições de aridez que reproduzem o ambiente de Marte (Fotos: Matheus Victor Cavalcanti da Costa/BioCenas/Uerj) |
Como viabilizar o estabelecimento da vida humana em Marte? A pergunta, que à primeira vista pode parecer um sonho de ficção científica, muito distante da realidade, tem sido feita por diversos cientistas ao redor do mundo. Uma contribuição brasileira para essa questão vem de pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Nos últimos três anos, professores, técnicos e alunos vinculados aos departamentos de Biofísica e Biometria e de Biologia Vegetal da universidade vêm investigando o plantio de vegetais em modelos que simulam o "solo" marciano.
“Esse estudo pode contribuir para identificar as espécies de plantas que sejam as melhores opções de cultivo para suprir a necessidade de alimentação, no caso de colonização humana em Marte, aquelas que se adaptem melhor às condições de ‘solo’ do planeta”, disse o biólogo Cesar Amaral, coordenador do Núcleo de Genética Molecular Ambiental e Astrobiologia (NGA). “As missões Artemis, da Nasa, estão estudando a possibilidade do homem colonizar a Lua, e nos próximos 15 anos, a ideia deles é ganhar expertise e se preparar para a possível colonização em Marte”, contextualizou.
Depois de simular o plantio de feijão, tomate e soja em modelos de “solos” marcianos, os pesquisadores decidiram apostar no cultivo de ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata). “Ela é um tipo de arbusto cactáceo e folhoso, naturalmente muito bem adaptado a climas áridos e solos mais arenosos, como o de Marte. É encontrado com facilidade em regiões de Minas Gerais, com o nome popular de ‘carne de pobre’, por ser bastante nutritiva. Poder produzir uma espécie de altíssimo valor nutricional, que já apresenta características de resistência à aridez, é sem dúvida uma grande opção”, justificou o professor, que vem desenvolvendo a pesquisa com apoio da FAPERJ, por meio do programa Jovem Cientista do Nosso Estado.
O preparo da terra que simula o “solo” marciano é realizado no próprio NGA/Uerj, com base nas informações geológicas do planeta coletadas pela Nasa por rovers, os veículos de exploração projetados para se locomover em outros planetas. Mais precisamente, em Marte não há solo, e sim regolito – a mistura solta de sujeira, poeira e outros detritos encontrados no topo da superfície do planeta vermelho. “Diversas sondas da Nasa, como o robô espacial Curiosity, vêm estudando há décadas as características dos tipos de regolito presentes em Marte. Esses dados que detalham a mineralogia encontrada nos regolitos marcianos estão descritos em artigos científicos internacionais. Pegamos a receita desse ‘solo’, com a sua composição mineral, e produzimos na Uerj o MGS-1 (Simulador de Regolito Marciano), em parceria com o Laboratório Geológico de Processamento de Amostras da Faculdade de Geologia da Uerj. Trabalhamos com a esterilização e preparação do solo e fazemos experimentos de germinação”, detalhou.
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Cesar Amaral explica que a pesquisa do cultivo vegetal em 'solo' marciano pertence à Astrobiologia, disciplina implementada recentemente por ele na pós-graduação em Ciências Biológicas da Uerj |
Amaral defende a importância de estudar formas de colonização de Marte como alternativa à sobrevivência da espécie humana no futuro. “Não sou especialmente um entusiasta da colonização de outros planetas, mas acredito que é uma questão de sobrevivência da nossa espécie ao longo prazo. Grandes extinções ocorreram ao longo da história e não sabemos como o planeta vai responder ao impacto ambiental que estamos causando. Precisamos garantir um plano B”, ponderou.
A pesquisa do cultivo em “solo” marciano pertence à disciplina conhecida como Astrobiologia, cadeira implementada na pós-graduação em Ciências Biológicas da Uerj por Amaral. “A Astrobiologia é uma área de pesquisa multidisciplinar, que envolve conhecimentos de Física, Química, Biologia e Astronomia. No Brasil e no mundo é uma disciplina nova, que começou a se desenvolver a partir dos anos 2000”, explicou o professor. “Dentro da Astrobiologia, também estudamos na Uerj a radiação ambiental em Marte, segundo o ciclo solar, e os chamados extremófilos, micro-organismos que sobrevivem a condições extremas, resistindo ao gelo, em ambientes de temperatura muito baixa, e em condições de altíssima salinidade”, completou.
A professora Norma Albarello, diretora do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (Ibrag/Uerj) e coordenadora do Laboratório de Biotecnologia de Plantas (Labplan), destacou a importância do estabelecimento da Astrobiologia como uma nova linha de estudo na Uerj. “Trata-se de uma área multidisciplinar que já possui muitos avanços no mundo inteiro, envolvendo as agências espaciais”, disse ela, que participa da pesquisa fornecendo a infraestrutura do cultivo vegetal. No Labplan, em uma sala de cultivo, o "solo" preparado é colocado em tubos de ensaio esterilizados para a germinação das sementes. A equipe acompanha o crescimento das plantas e organiza os ciclos de germinação.
Participam ainda do estudo a aluna Yasmin Carraro Almeida de Souza, bolsista de Iniciação Científica da FAPERJ, o professor Antonio Carlos de Freitas, coordenador do Núcleo de Fotografia Científica Ambiental BioCenas/Uerj, e a farmacêutica Tatiana Carvalho de Castro, do Laboratório de Biotecnologia de Plantas (Labplan).