Paula Guatimosim
As Jornadas de Junho foram uma série de mobilizações de massa que aconteceram simultaneamente em mais de quinhentas cidades do Brasil no ano de 2013 (Fotomontagem: Wikipédia) |
Um intercâmbio entre as áreas de Sociologia e Tecnologia da Informação viabilizou uma ferramenta de coleta de depoimentos cotidianos – via arquivos de texto, foto ou vídeo – em rede de colaboradores. O lançamento foi feito em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) por meio do Laboratório de Pesquisas Sobre Cotidiano e Tecnologia (laboratório no.ar), com a campanha “Junho mora onde?”. O objetivo foi coletar memórias da população sobre o evento conhecido como “As jornadas de junho”, ocorridas dez anos atrás.
As "Jornadas de Junho" foram uma série de mobilizações de massa que aconteceram simultaneamente em mais de quinhentas cidades do Brasil no ano de 2013. Iniciadas com um protesto contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo, logo ganhou proporções nacionais, num movimento social amplo pela defesa do transporte público, pelo movimento anticorrupção e com o aparecimento dos black blocs.
“Temos a impressão de que aquelas manifestações não deixaram herdeiros, poucos grupos parecem querer lembrá-las, e, ao mesmo tempo, estamos falando de manifestações que foram as maiores desde a democratização, ou seja, poucas pessoas não guardam alguma memória daquele momento”, analisa Paulo Gajanigo, sociólogo que liderou o grupo de pesquisa. O objetivo do projeto é criar um arquivo vivo daqueles dias, promover a reflexão sobre as implicações das Jornadas na sociedade brasileira, e promover a cultura de memória do país, explica a professora da UFF em Campos dos Goytacazes, doutora em Ciência Política, Mariele Troiano. O evento de lançamento do projeto reuniu cerca de 40 pesquisadores de diversas instituições e em diferentes estágios de desenvolvimento para debater as insurgências de junho de 2013.
Os bolsistas do projeto tinham a missão de desenvolver um aplicativo que facilitasse a participação dos colaboradores |
A coleta de dados foi o primeiro teste do aplicativo "Vida Coletiva", software desenvolvido por dois bolsistas de Iniciação Tecnológica (IT) da FAPERJ – João Pedro Barreiro e Victor Gabriel Sant’Ana da Silva – do curso de Ciência da Computação. Sob a supervisão de Cosme Faria Corrêa, da Superintendência de Tecnologia da Informação (STI) da UFF, os bolsistas desenvolveram a ferramenta para coleta de depoimentos de forma a simplificar a participação. Os interessados em participar do projeto “Junho mora onde?” ou nos que posteriormente serão lançados devem baixar o app, assinar o Termo de Consentimento Legal, preencher o formulário de perfil, clicar no botão de + para adicionar um relato, dar um título para o relato e acrescentar texto, imagem ou áudio (ou as três formas), selecionar o projeto “Memórias sobre junho de 2013” e clicar no botão de salvar.
Paulo Gajanigo conta que a ideia da pesquisa surgiu durante seu pós-doutorado na University of Sussex, Inglaterra, onde teve contato com um projeto similar que coletava depoimentos enviados através de e-mail ou carta. À época, ele já idealizava um aplicativo colaborativo, mas a pandemia de Covid-19 adiou seus planos. Certo da importância da experiência das pessoas ao longo do período de isolamento, o pesquisador participou da coleta de informações sobre o cotidiano de pessoas integrantes de um grupo privado do facebook.
Em sua opinião, a pandemia deixou ainda mais patente a importância do registro de memória para a pesquisa e impulsionou de vez o ambiente virtual, tanto no trabalho quanto nas relações sociais. “As restrições impostas pelo coronavírus deixaram muito patente a falta de software específico para coleta de dados digitais”, pontua o pesquisador. Mesmo reconhecendo que as pessoas já vêm fazendo registros cotidianos nas redes sociais, Gajanigo ressalta que existe incerteza quanto à segurança e o tempo de arquivamento desses dados, que, na maioria das vezes, visam apenas likes.
João Pedro Barreiro (esq.): para o bolsista de IT a autonomia para desenvolver o software foi fundamental no projeto, descrito com facilidade pelo sociólogo Paulo Gajanigo |
“Buscamos um caminho que fosse atrativo para jovens, uma interface próxima do ambiente das redes sociais, mas que não fosse impermanente nem inseguro”, explica Gajanigo, cuja principal preocupação foi oferecer um repositório confiável, na UFF. Para ele, o projeto demonstra como a área de Tecnologia da Informação pode auxiliar demandas na área de ciências Humanas.
O bolsista João Pedro Barreiro gostou muito da experiência, até mesmo porque, segundo ele, a comunicação entre as duas áreas fluiu com muita facilidade e a equipe da Sociologia foi muito clara ao explicar sua necessidade. “Foi o primeiro projeto em que tive total autonomia para desenvolver o aplicativo, essa foi uma grande oportunidade”, revela João Pedro. Ele conta que um dos desafios foi criar uma alternativa para o idUFF, que é o sistema de identificação única da Universidade, que atendesse às necessidades de diferentes arquivos de mídia. Outra dificuldade foi a elaboração de um termo de consentimento abrangente, mas comum a maioria dos depoentes, cujas identidades são mantidas no anonimato. “Os desafios foram muito educacionais e instrutivos”, garante João Pedro, que mora na Ilha do Governador, no Rio, e que conta com a bolsa de IT da FAPERJ para viabilizar sua permanência em Niterói e atender às demandas do projeto.
O Laboratório no.ar da UFF tem por objetivo fomentar a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação em tecnologias de comunicação e informação. O laboratório trabalha com projetos em diversas áreas, como jornalismo, educação, cultura e política.