Paula Guatimosim
Com a ajuda da prima, Luanda descobre que nos caminhos da ciência ela pode ser o que quiser (Reprodução ilustração) |
Ela era uma adolescente, cursando o terceiro ano do Ensino Médio, quando a sua escola promoveu uma visita dos alunos a uma reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Foi naquele dia que Ana Lúcia Nunes de Sousa decidiu seguir a carreira acadêmica, tornar-se cientista. Professora adjunta no Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ana Lúcia lançou durante a Bienal do Livro, em setembro, sua primeira obra, “Luanda no mundo da ciência”.
O livro, voltado para o público infantil, conta de forma lúdica as histórias de cientistas negras do Rio de Janeiro, a partir do olhar de uma menina de 10 anos, que precisa fazer uma redação sobre o que ela pretende ser quando crescer. É com a chegada de uma prima mais velha que ela vence o desafio, após ser apresentada ao diversificado mundo da Ciência. Entre as cientistas negras do Rio de Janeiro citadas na obra estão a filósofa e professora de história, Helena Theodoro; a engenheira química Michelle Mothé; e a dançarina e professora do curso de dança Tatiana Damasceno, por exemplo. Diante dessa diversidade de possibilidades e atuações, Luanda descobre que nos caminhos da ciência ela poderia ser o que quisesse.
O lançamento do livro paradidático na Bienal sensibilizou e atraiu várias meninas e professoras ao estande da Editora Kitembo, mas Ana Lúcia diz que o maior ganho foi o fato de o livro ter entrado na lista de recomendação das secretarias de Educação no município e do estado. “Luanda no mundo da ciência” é resultado de dois projetos de extensão: “As incríveis cientistas negras: educação, divulgação e popularização da ciência”, da UFRJ, e “Mulheres negras fazendo ciência”, do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet), de Maria da Graça (RJ), que receberam apoio da FAPERJ, por meio do Programa Meninas e Mulheres nas Ciências Exatas e da Terra, Engenharias e Computação-2021; da 2ª Chamada Garotas Stem: formando futuras cientistas-2021', do British Council, e da Pró-Reitoria de Extensão da UFRJ.
A ideia do livro, conta Ana Lúcia, partiu das alunas e foi sendo lapidada em conjunto. A vivência em uma colônia de férias afrorreferenciada e o fato de ser mãe de duas crianças - de dois e quatro anos – ajudaram a mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade de Buenos Aires a mergulhar no universo infantojuvenil. A obra não é o único produto derivado do projeto, que a cada ano atrai uma média de 50 estudantes e é apoiado por cinco professoras e 18 bolsistas. Eles são divididos em equipes que cuidam das mídias, do material didático e das atividades nas escolas. Além do livro, já foram produzidos um calendário e um jogo da memória, além das palestras e oficinas de robótica e audiovisual promovidas nas escolas.
Ana Lúcia explica que a dinâmica nas escolas tem início com palestras de sensibilização, seguidas da exibição do filme “Estrelas além do tempo”, filme que mostra o papel de três cientistas negras da Nasa durante a Guerra Fria, seguido de debate. Na sequência são realizadas as oficinas de Robótica – quando as estudantes montam um robô – e Audiovisual – quando elas produzem um curta-metragem. Mais recentemente foram incluídos o jogo da memória e a leitura e interpretação do livro.
Ana Lucia Nunes de Sousa: a pesquisadora e jornalista começa a considerar seguir carreira de escritora (Foto: Érica Soares) |
Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Goiás, pós-graduada em Comunicação Hipermedia pelo Instituto Internacional de Jornalismo José Martí (Cuba); em Documentário Criativo pela Univalle (Colômbia); Ana Lúcia já considera seguir carreira de escritora, certa de que a Academia continuará servindo de base e inspiração para futuras obras. Para 2024 está previsto o segundo livro sobre 50 ou 100 cientistas negras e a criação de um “Jogo da Vida”, similar ao comercial, que simula etapas da vida real no trabalho e relacionamentos.
Doutora em Comunicación y Periodismo pela Universitat Autonoma de Barcelona e em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ana Lúcia naturalmente elegeu a Comunicação como meio de realizar seu projeto. A pesquisadora conta que a ideia nasceu em 2019, quando ela passou no concurso público para o Nutes/UFRJ. “Eu me deparei com um ambiente muito ‘embranquecido’, de segregação racial, que me deixou surpresa e angustiada”, explica. Por outro lado, ela via estudantes passando a se declarar como negros e buscando maior representatividade. Isso a motivou a criar um grupo de pesquisa para levantar o quantitativo de mulheres negras docentes na pós-graduação.
Ana Lúcia conta que foi a participação em um “Sábado da Ciência”, no Espaço Ciência Viva, em julho de 2019, juntamente com o Cefet, que abriu as portas para o nascimento do projeto. Após essa participação, professores da educação básica passaram a convidar a equipe para palestras. Assim, foi idealizado o projeto no Cefet Maria da Graça, com o objetivo de aliar ensino, pesquisa e extensão na formação de estudantes do ensino médio, com ênfase na oratória. Em seguida, o projeto foi cadastrado na UFRJ, passando a agregar estudantes do ensino superior.
A pesquisadora lembra que a necessidade de migrar para o ambiente online durante a pandemia da Covid-19 fez com que o projeto ganhasse as redes sociais @mulheresnegrasfazendiciencia, formasse um grupo de leitura e outro de oratória. Hoje, o projeto “Mulheres Negras Fazendo Ciência” é coordenado por três professoras: além de Ana Lúcia, Luciana Ferrari Espíndola Cabral e Mariana da Silva Lima, do Cefet, com a colaboraçāo das doutorandas Lohrene Lima da Silva e Aline Djosy Nery e agrega cinco professoras bolsistas na coordenação das atividades nas escolas. No Cefet Maria da Graça, no bairro homônimo, as professoras parceiras são Mariana da Silva Lima e Luciana Ferrari Espíndola Cabral; e no Colégio Estadual Professora Maria Terezinha de Carvalho Machado, no bairro Praça Seca, na zona Oeste, a parceira é a professora Liliane Ramos da Fonseca. Na Escola Municipal Panaro Figueira, em Seropédica, município da Baixada Fluminense, Janine Monteiro Moreira é a professora parceira; e na Fundação Osório, no Rio Comprido, bairro da zona central do Rio, Anna Carolina de Oliveira Mendes é quem participa do projeto.