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Publicado em: 26/10/2023 | Atualizado em: 27/10/2023

Livro resgata expedições dos principais naturalistas que percorreram o Brasil nos séculos XVIII e XIX

Marcos Patricio

Ilustrações como esta, da Serra da Estrela, de 1835, de Carl August Lebscheìe, é um exemplo do trabalho feito pelos naturalistas ou por artistas, que elaboravam as gravuras a partir dos esboços preparados nas expedições, para registrar a fauna, a flora e outros aspectos do Brasil (Ilustração: acervo da Fundação Biblioteca Nacional).

As expedições científicas que percorreram o território brasileiro durante cerca de 100 anos, entre os séculos XVIII e XIX, sempre despertaram um grande fascínio entre os pesquisadores e o público em geral. As viagens ao Novo Mundo realizadas por nomes como Charles Darwin, Georg Langsdorff e Carl von Martius para desvendar as belezas e os segredos da biodiversidade e de outros aspectos daquelas terras quase desconhecidas, eram empreitadas cercadas de dificuldades, riscos de morte, dúvidas e descobertas. Eram verdadeiras aventuras repletas de desafios.

Apaixonado pelo tema, o professor titular do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (Ibrag), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Carlos Frederico Duarte da Rocha também assumiu um desafio: reunir em uma única obra informações sobre o trabalho e a vida de 24 dos principais naturalistas, que passaram pelo Brasil nos séculos XVIII e XIX. Assim surgiu a ideia do livro “Naturalistas viajantes no Brasil 1783-1888” (Andrea Jakobsson Estúdio), editado com recursos do Programa de Apoio à Editoração da FAPERJ, e que chegou às livrarias em 2023.

Um dos principais méritos do projeto é reunir, em uma mesma obra, o trabalho de um conjunto de naturalistas, pois, até aqui, a literatura existente no Brasil e no exterior tratava somente das viagens de um cientista específico ou no máximo de grupos de dois ou três, abordando aspectos gerais das jornadas e de seus responsáveis.  

Doutor em Ciências/Ecologia pela Universidade de Campinas (Unicamp), Rocha foi além. Preparou um livro com cerca de 470 páginas, dividido em 25 capítulos, um para cada naturalista, onde, além de detalhados aspectos biográficos dos cientistas, organizou um amplo panorama das expedições, descrevendo trajetos, extensão percorrida, período da viagem, os propósitos e objetivos de cada missão, seu contexto, o que foi encontrado, o acervo coletado, e os interesses dos governantes dos países dos cientistas, que muitas vezes eram os patrocinadores das viagens. Informações complementadas por um conjunto de ilustrações produzidas pelos próprios naturalistas ou por artistas convidados a integrar as equipes.

Mais do que isso, Carlos Frederico Duarte da Rocha se preocupou em revelar um pouco mais sobre as personalidades de nomes como Charles Darwin (que passou pelo Brasil em 1832 e 1836); Peter Lund (que veio ao Brasil por duas vezes, a primeira em 1825 e a segunda em 1833, quando decidiu ficar definitivamente até sua morte em 1880); Alfred Russel Wallace (1848 - 1852); Carl Friedrich Philipp von Martius e Johann Von Spix (1817-1820). Bem como de naturalistas alemães, que faziam parte da realeza: o príncipe Maximilian zu Wied-Neuwied (1815-1817) e a princesa Theresa da Baviera (1888), única mulher entre os cientistas abordados no livro já que, naquela época, era muito mais difícil para elas atingirem a condição de naturalista.

Carlos Rocha montou um minucioso perfil dos naturalistas, revelando aos leitores quem eles eram, de que país vieram, a formação e a principal área de atuação de cada um, seus interesses científicos, a trajetória de vida antes e depois das viagens, o que encontraram e as impressões em relação ao que viram.

 Um trabalho de fôlego, realizado ao longo de seis anos de intensa pesquisa, entre 2016 e 2022, e que, algumas vezes, levou o autor a trilhar o sentido contrário dos naturalistas, conduzindo-o a universidades e bibliotecas da Europa em busca de anotações, artigos e livros; e aos museus do Velho Continente, onde estão expostos os materiais coletados.

Logo nas primeiras páginas, Rocha apresenta uma evolução do conhecimento científico no Brasil, contextualiza a época áurea das expedições científicas e mostra o porquê do enorme interesse de naturalistas e de diferentes reinos da Europa em esmiuçar a fauna, a flora, a geografia, os recursos minerais e aspectos antropológicos do nosso território.

“Por conta, sobretudo, das invasões francesas e holandesas ocorridas nos séculos XVI e XVII, o Reino de Portugal proibiu, durante mais de 200 anos, o ingresso de estrangeiros no Brasil, incluindo expedições, além da edição de livros, da publicação de jornais, da abertura de estradas e de uma série de outras atividades que pudessem gerar um sentimento de nação entre aqueles que viviam na Colônia. Isso gerou uma grande curiosidade europeia em relação à nossa terra represada durante anos. A abertura do território às outras nações, a partir da vinda da Família Real, em 1808, acabou determinando um interesse, uma procura generalizada e a realização de dezenas de expedições ao longo de quase 100 anos de forma a revelar um Brasil até então proibido”, explica Rocha, que é apoiado pelo programa Cientistas do Nosso Estado da FAPERJ.

O professor Carlos Frederico Rocha ao lado da estátua de Charles Darwin, no Museu de História Natural de Londres, onde esteve para apurar informações para o livro. O naturalista inglês esteve no Brasil em 1832 e 1836 (Foto: acervo do autor)

Embora predominem as expedições comandadas por estrangeiros, um dos capítulos do livro resgata e dá visibilidade ao trabalho realizado pelo cientista luso-brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira, considerado o primeiro naturalista do Brasil, que percorreu o nosso território durante 9 anos, entre 1783 e 1792. Portanto, quase três décadas antes do início das grandes expedições. Nascido em Salvador, Ferreira estudou em Portugal, onde seria preparado para ser clérigo. Entretanto, desistiu do sacerdócio e tornou-se um naturalista. Enviado ao Brasil por Dona Maria I, rainha de Portugal, Ferreira, cujas feições continuam, ainda hoje, desconhecidas, viajou mais de 40 mil quilômetros pela Amazônia e Brasil Central, o equivalente à circunferência da Terra no Equador, em condições precárias.

“A expedição comandada por Ferreira foi tão importante quanto a do famoso alemão Alexander von Humboldt. Porém, uma série de situações ocorridas após sua viagem impediram que ele publicasse, pessoalmente, os resultados de sua expedição, impedindo de se tornar em vida tão famoso quanto Humboldt. Mas o conhecimento gerado por ele e o acervo colecionado são impressionantes”, conta Rocha, que é professor da graduação e dos programas de pós-graduação em Meio Ambiente, e em Ecologia e Evolução da Uerj. 

Outro aspecto relevante destacado pelo livro é o processo de devastação ambiental. “Os relatos deixados pelos naturalistas mostram que grande parte do nosso território era virgem ou pouco explorada até o fim do século XVIII e o início do XIX. Porém, em pouco mais de 150 anos, esse cenário mudou de forma avassaladora e preocupante, devido à capacidade do homem de destruir a natureza”, explica o autor.

O livro revela as diferenças culturais entre os cientistas europeus e as populações negra e indígena, com as quais conviveram em suas viagens. Os relatos dos naturalistas comprovam, também, o pouco destaque dado à participação de negros e indígenas nas missões exploratórias. A imagem predominante é a do naturalista herói e desbravador, que explorou o território de forma solitária o que não corresponde à verdade. “A participação de negros e indígenas foi fundamental para o êxito de todas as expedições científicas”, explica o pesquisador.

De acordo com Carlos Frederico Rocha, a pesquisa sobre as expedições é um grande novelo, que vai se abrindo em novas perspectivas. O professor já tem pronto um outro livro, escrito em conjunto com a pesquisadora Cátia Moura Militão, sua aluna de doutorado. Com o título “Pelo olhar do naturalista e viajantes estrangeiros – Como os negros e escravizados eram vistos no Brasil do século XIX”, a obra aprofunda a questão das diferenças culturais. O trabalho não para. Um livro sobre os artistas, desenhistas e ilustradores que acompanhavam os naturalistas para registrar tudo que era visto nas viagens já está sendo preparado. Em janeiro de 2024, Rocha participará de um congresso em Aveiro, em Portugal, de onde seguirá para visitas ao Museu de História Natural de Lisboa e ao Museu Bocage e, assim, dar continuidade às suas pesquisas.

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