Débora Motta
Integrantes do consórcio ALPHA nas dependências do CERN, na Suíça: rede internacional realiza pesquisas sobre a ação da gravidade que colocam a Física na fronteira do conhecimento (Fotos: Divulgação) |
Uma das grandes questões da Física contemporânea acaba de ser desvendada por uma rede internacional de pesquisadores, que conta com a participação de brasileiros: o comportamento da antimatéria diante da gravidade. Um grupo de cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), junto à colaboração Antihydrogen Laser Physics Apparatus (ALPHA), demonstrou que a antimatéria cai sob ação da gravidade, em experimentos realizados no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), o maior laboratório de Física de partículas do mundo, localizado na Suíça. A descoberta resultou na publicação de artigo na renomada revista científica Nature, intitulado Observation of the effect of gravity on the motion of antimatter | Nature.
De acordo com o professor do Instituto de Física da UFRJ Cláudio Lenz Cesar, contemplado pela FAPERJ por meio do programa Cientista do Nosso Estado, a descoberta pretende encerrar décadas de especulações sobre o comportamento da gravidade e coloca fim à ideia da existência da antigravidade. “Há muitos anos se discute se a gravidade para a antimatéria seria a mesma para a matéria, se a interação gravitacional seria a mesma tanto na relação matéria-matéria ou na relação antimatéria-matéria. Descobrimos que sim, a aceleração da gravidade sobre a antimatéria é compatível com a da matéria nesse nível de baixa precisão. Mas nada garante que o será em medidas futuras com alta precisão”, explicou o físico Cláudio Lenz Cesar, professor do Instituto de Física da UFRJ e um dos autores do artigo. “O estudo descarta completamente a hipótese de que existiria uma antigravidade, ou seja, uma força de repulsão gravitacional que levaria os antiátomos a caírem para cima”, completou.
Em poucas palavras, na natureza, cada partícula tem uma antipartícula correspondente. Elas compartilham as mesmas propriedades, apesar de terem cargas opostas. A matéria é formada por átomos, que por sua vez são compostos de elétrons (de carga negativa), prótons (positiva) e nêutrons (neutra). A partir de 1928, o físico britânico Paul Dirac, vencedor do Nobel de Física em 1933, propôs a existência da antimatéria. Em 1932, o físico americano Carl Anderson descobriu, ao estudar raios cósmicos, a primeira antipartícula: o antielétron (também chamado de pósitron, por ter carga positiva). Hoje, a Física Quântica trabalha com diversas partículas e suas correspondentes antipartículas, como antiprótons (prótons com carga negativa) e antinêutrons (com carga nula como os nêutrons, mas formados por antiquarks).
A antimatéria teria surgido ao mesmo tempo que a matéria, no momento em que se deu a grande explosão que deu origem ao universo, o Big Bang. Porém, não há resquícios dessa antimatéria primordial, o que tornou por décadas o estudo da mesma um desafio para a comunidade científica mundial. “O mistério do que ocorreu com a antimatéria primordial era respondido por um pequeno grupo de físicos com a hipótese radical da existência de uma suposta antigravidade, que seria uma repulsão gravitacional. Com nossos resultados, essa hipótese esta morta”, contextualizou Lenz.
Equipe de brasileiros no CERN: sentado, o aluno de doutorado Levi Azevedo; atrás, os pesquisadores Rodrigo Sacramento, Álvaro Nunes e Cláudio Lenz |
Os experimentos de alto nível realizados pela equipe só poderiam ser realizados no CERN, único local do mundo que possui laboratórios capazes de reproduzir antiátomos de forma artificial, em grandes aceleradores e desaceleradores de partículas. Isso demonstra a importância do Brasil – num protocolo que agora tramita no Congresso para assinatura presidencial – se tornar membro desse grande acelerador onde experimentos únicos podem ser realizados no mundo. “Durante os experimentos, criamos e aprisionamos átomos de anti-hidrogênio em uma armadilha magnética, dentro de um equipamento conhecido como desacelerador de antiprótons. Trata-se do único equipamento no mundo que pode obter antiprótons, a baixas energias. Os anti-átomos acabam aprisionados próximos de 0,5 kelvin, da ordem de -272.6 celsius”, detalhou Lenz.
Assim, os pesquisadores puderam testar o comportamento dos átomos de anti-hidrogênio em relação à gravidade, dentro desse equipamento. “Eles escaparam majoritariamente para baixo ao se abrir lentamente a armadilha vertical, exatamente como na queda da maçã de Newton”, contou Lenz. “Na Teoria da Relatividade, a interação gravitacional independe da composição dos corpos, se são antimatéria ou matéria. Com nosso experimento, vimos a compatibilidade com a teoria de Einstein”, destacou.
O experimento descrito no artigo foi realizado em meados de 2022 e o projeto, que conta com mais de 50 cientistas internacionais, vem sendo construído desde 2013. A concepção original do experimento foi descrita por Lenz num artigo de 1997, citada na publicação atual. A colaboração ALPHA é liderada por Jeffrey Hangst, da Universidade Aarhus, da Dinamarca, e envolve majoritariamente pesquisadores europeus e norte-americanos. Os outros brasileiros envolvidos são: Daniel Miranda Silveira e Rodrigo Lage Sacramento, também professores da UFRJ; e Álvaro Nunes, pesquisador do Inmetro e pós-doutor pelo grupo de pesquisa da Universidade Aarhus.