Débora Motta
Estudo coordenado por pesquisador na Uerj indica que, com a elevação das temperaturas, dengue deve se expandir para diversas regiões fluminenses e se tornar comum também no inverno (Foto: James Gathany/Wikipedia) |
O aumento expressivo no número de casos de dengue levou ao decreto, no dia 5 de fevereiro, do estado de emergência em saúde pública no município do Rio de Janeiro. Só em janeiro de 2024, foram contabilizados 10.156 casos, com 362 internações – o maior número desde 1974, quando se deu o início do registro de casos. Um estudo desenvolvido na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) investiga como as mudanças climáticas e a elevação das temperaturas devem impactar no surgimento de novos focos da doença. A pesquisa resultou na publicação do artigo Climate change and risk of arboviral diseases in the state of Rio de Janeiro (Brazil) (“Mudança climática e risco de arboviroses no estado do Rio de Janeiro”, em tradução livre), assinado pelos professores Antonio Carlos da Silva Oscar Júnior, do Instituto de Geografia da Uerj, e Francisco de Assis Mendonça, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), na revista científica Theoretical and Apllied Climatology, da Springer.
A pesquisa utiliza ferramentas computacionais de modelagem climática, em parceria com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), para traçar análises de cenários e riscos e projetar os possíveis casos de dengue até o ano de 2070, mapeando tendências para a evolução da doença. “Procuramos entender quais áreas, regiões e municípios do estado do Rio de Janeiro podem ter, ao longo das próximas décadas, maior suscetibilidade climática ao desenvolvimento da dengue. Para isso, relacionamos dados sobre a evolução do quantitativo de mosquitos com as estimativas de crescimento populacional e, a partir desses modelos, estimamos qual será o risco de se contrair a doença, considerando ainda as curvas de aumento das temperaturas previstas para os próximos anos, segundo o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), das Nações Unidas”, resumiu o coordenador do estudo, Antonio Carlos Oscar Júnior, que é bolsista da FAPERJ pelo programa Jovem Cientista do Nosso Estado e professor adjunto do Departamento de Geografia Física e do Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGEO/Uerj).
O estudo alerta que, com o aumento das temperaturas, em decorrência do aquecimento global, a dengue deve deixar de ser uma doença sazonal, mais frequente durante os meses de verão, e se expandir para diversas regiões do estado. “Hoje temos praticamente a população fluminense do litoral mais exposta à dengue, porque é onde há maior concentração de umidade e temperatura, que são as condições que favorecem o desenvolvimento do mosquito. Nas regiões Serrana e Centro-Sul, atualmente há condições menos propícias ao desenvolvimento do vetor, principalmente por causa das baixas temperaturas”, explicou Oscar. “Mas com as mudanças climáticas, essas condições de dias quentes e úmidos vão se alterar até 2070. A doença deve causar ocorrências significativas também nas outras regiões fluminenses, além das baixadas litorâneas e da Região Metropolitana do Rio”, completou.
Dengue: doença relacionada à falta de saneamento
Antonio Carlos Oscar Jr., da Uerj, destaca a necessidade de investimentos na infraestrutura básica de saneamento, além das campanhas de vacinação contra a dengue (Foto: Divulgação/Uerj) |
A proliferação do mosquito vetor da dengue, o Aedes aegypti, está intimamente relacionada às condições climáticas. “A faixa ideal de temperatura para a reprodução e infecção do inseto é de 22 a 35 graus Celsius. O ciclo do mosquito leva apenas de sete a dez dias. A fêmea deposita o ovo em ambiente aquático para se desenvolver e é necessário ter uma temperatura do ar elevada para a larva crescer, com a umidade das chuvas. Só não podem ser chuvas intensas, devido à força da lixiviação (processo em que as águas causam erosão no solo), que atinge os ovos, mas é necessário ter chuvas melhor distribuídas, como ocorre no Centro-Sul fluminense”, detalhou. “Normalmente, anos epidêmicos estão associados a anos antecedentes muito secos, porque o ovo fica em estado latente por quase um ano. Um ovo latente, em período seco, fica guardado desde o ano anterior, eclode no período chuvoso e aumenta o número de mosquitos, potencializando a contaminação da população”, informou.
De acordo com o geógrafo, esta mudança nas áreas de abrangência e nos meses de ocorrência da dengue poderá, no futuro, causar uma sobrecarga do sistema público de saúde durante todo o ano. “Isso exigirá uma mudança no planejamento de ações públicas para a conscientização da importância da prevenção da doença, hoje concentradas nos meses de verão. Espero que essa pesquisa possa fornecer subsídios para ajudar na formulação de políticas públicas e na formulação de planos de contingência”, destacou o geógrafo, antecipando que está em discussão com a Reitoria da Uerj para a criação do Observatório da Dengue no estado do Rio de Janeiro, um think tank que poderá ser um aliado na formulação de políticas públicas específicas.
Sobre a atual epidemia de dengue no Rio, Oscar destaca a necessidade de ações públicas que visem à melhoria das condições básicas de infraestrutura para a população, ao lado das campanhas de vacinação. “A vacina é importantíssima, mas a dengue não é só uma doença ligada ao clima, mas sim às condições sanitárias. Há pessoas sem acesso à água, coleta de lixo e saneamento adequados, e sabemos que 75% dos criadouros estão dentro de casa, inclusive desta população que precisa armazenar água porque não tem abastecimento regular, ou que lida com o acúmulo de lixo para queimar depois, gerando ambientes propícios para a progressão do mosquito. Precisamos estimular e ampliar a vacinação pelo SUS e garantir essa infraestrutura básica, decisiva para o controle epidemiológico”, concluiu o pesquisador, que coordena na Uerj o Laboratório de Estudos da Interação Sociedade-Atmosfera (LISA).
O projeto inclui ainda o controle e mensuração de larvas em diversas estações meteorológicas no estado do Rio de Janeiro, a partir da observação de armadilhas (OviTrampas) para o mosquito, instaladas nos seguintes locais: Rio de Janeiro (Maracanã, Campo Grande e Rocinha), Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São Gonçalo, Resende, Petrópolis, Silva Jardim e Maricá. A pesquisa envolve a participação em rede de diversos alunos de Iniciação Científica da Uerj, alguns com bolsa FAPERJ, alunos de mestrado e doutorado, também bolsistas FAPERJ e dos pesquisadores Wanderson Luiz da Silva e Fabrício Polifike da Silva, do Laboratório de Previsão de Curtíssimo Prazo e Eventos Extremos (LACPEX), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Francisco de Assis Mendonça e Wilson Flavio Feltrim Roseghini, do Laboratório de Climatologia da Universidade do Paraná (UFPR), e da Universidade de Moncton (Canadá), Guillaume Fortin.