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Publicado em: 25/07/2024 | Atualizado em: 25/07/2024

Livro analisa as heranças musicais africanas da diáspora atlântica

Débora Motta

Capa da obra que, em 11 capítulos, aborda diversos temas da musicalidade africana trazida para o Brasil e todo o continente americano (Arte: Reprodução)

As heranças musicais dos povos africanos que cruzaram o Atlântico, nos fluxos migratórios forçados pela escravidão, e se estabeleceram em diversos pontos das Américas e do Brasil são o tema de Sons de África e da diáspora atlântica – História, Musicologia e Interfaces (Editora Vermelho Marinho, 247 p.). Com organização dos pesquisadores Andrea Adour e Josivaldo Pires de Oliveira, o livro propõe, em 11 capítulos, um diálogo entre Etnologia, Musicologia e História, abordando diversos temas, como os elementos da performance na capoeira, as conexões musicais entre Benim e Brasil, as sonoridades negras na Bahia oitocentista e o tambor de crioula do Maranhão, entre outros. A obra foi publicada com apoio da FAPERJ, pelo edital Auxílio à Editoração.

A publicação lança uma reflexão sobre o lugar que as músicas africanas ocupam nos currículos escolares dos cursos superiores em Música no Brasil. Essa discussão ganha destaque com a recente inclusão, no currículo oficial da Rede de Ensino (da educação básica ao ensino superior), da obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", pela Lei Complementar 10.639/2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

“Na academia, ainda há um domínio, do ponto de vista dos currículos, de uma literatura calcada em saberes mais relacionados aos antigos modelos ocidentais e eurocêntricos. É preciso pensar na redefinição dos currículos dos cursos superiores em Música no Brasil, especialmente quando essa revisão se propõe a seguir uma perspectiva decolonial e afrodiaspórica”, disse Andrea. O capítulo 1, intitulado “Musicologias africanas e formações musicais afro-centradas em diálogos transatlânticos”, assinado por Katharina Doring, aborda o tema, falando sobre a construção das musicologias africanas do decorrer do século XX e a educação musical africana contemporânea.

Professora do Departamento Vocal da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EM/UFRJ), Andrea coordena o grupo de pesquisa Africanias, que propõe compreender a presença africana nos diferentes gêneros da música brasileira. Na obra, ela assina, junto com Eduardo Fonseca de Brito Lyra e Jonas dos Santos Maia, o capítulo 2: “Ogundé Uarerê: ecos em fluxo de um canto trans-atlântico”. O trabalho analisa os registros e releituras do cântico Ogundê Uararê, desde a sua versão mais antiga, gravada por Felipe Neri da Conceição, em 1931, até a mais recente, produzida pelo trio Davai Ciass, do Leste europeu, em 2018.

Josivaldo e Andrea reforçam a importância de inserir os estudos musicais africanos e afrobrasileiros nos currículos dos cursos superiores em Música (Fotos: Divulgação)

“Fomos mapeando mecanismos de encontros e desencontros dessa canção, que tem letra em iorubá, falado sobretudo na Nigéria. Essa melodia foi gravada por diversos artistas, em diversos países. Investigamos 25 fonogramas dela, desde o registro do maestro Ernani Braga, que coletou a partitura em acordo com Pai Anselmo, em seu terreiro, posteriormente publicada por Gilberto Freire nos anais do I Congresso Afro-Brasileiro, realizado no Recife, em 1934, na obra intitulada Estudos Afro-Brasileiros; passando pela gravação da cantora lírica brasileira Bidu Sayão, em 1949; do saxofonista de jazz norte-americano John Coltrane e da cantora lírica francesa Patricia Petibon, em 2011”, citou. “Ainda não conseguimos descobrir onde essa canção surgiu, se na África ou no Brasil, mas ela ecoou por vários gêneros”, completou.

A obra segue com os seguintes capítulos: 3 – Do Benin à Bahia: o Atlântico afro-baiano de Angélique Kidjo”, assinado por Marielson Carvalho, que analisa o disco Black Ivory Soul, da referida musicista beninense; 4 – “Fragmentos históricos, fluxos diaspóricos: notas sobre sonoridades negras na Bahia oitocentista”, de Marcos Santos, que aborda as histórias negras no contexto baiano do século XIX. O autor estudou questões sobre a racialização sonora, como os dispositivos legais que tentaram impedir a circulação dos batuques em determinados contextos sociais da época, baseados inclusive em argumentos racistas, e os espaços ocupados pelos negros nas bandas de barbeiros e folias de momo; 5 – “A musicologia da capoeira: espaço-momento de construção e reconstrução na dinâmica do jogo de corpos”, de Luís Vitor Castro Júnior, Joel Bezerra e Maria Eduarda Lemos da Silva Pessoa. O texto oferece uma contextualização histórica dessa dança-jogo, que envolve corpo e música.

Partitura manuscrita da música Ogundé Uarerê, o canto de Ogum, produzida pelo pianista brasileiro Hermelindo Castello Branco (1922-1996), conforme arranjo do maestro Ernani Braga (Foto: Reprodução)

O capítulo 6 – “Artefatos sonoros africanos na musicologia portuguesa: um ensaio de História Social sobre o Dicionário de Música Tomás Borba e Fernando Lopes-Graça (1956-1963)”, de autoria de Josivaldo Pires de Oliveira, analisa alguns instrumentos africanos nestas obras, notadamente os arcos de boca, as harpas africanas, o “piano dos pretos” e as marimbas africanas. O capítulo 7 – “A dikanza de Angola: ancestralidade, resistência e diálogo diaspórico”, de Luiz Augusto Pinheiro Leal, é um relato do autor da sua experiência em Luanda, capital de Angola. O instrumento, cujo som é produzido por raspagem, ganhou o nome de reco-reco no Brasil. O 8 – “Mbila: um instrumento moçambicano em descoberta”, de Edson Gopolane Uetela Uthui, descreve o processo de fabricação do instrumento, um dos símbolos da cultura moçambicana.

O capítulo 9 – “União Operária Kabocomeu: do Sambizanga ao carnaval de Luanda” apresenta o estudo de Landirléya dos Reis Silva e Washington Santos Nascimento sobre o grupo carnavalesco do bairro Sambizanga, ligado à descolonização angolana. Já o capítulo 10 – “Trajetória de um ritmo neofolclórico: onda pop, marrabenta, racismo colonial e perspectivas nacionais (Maputo-Moçambique, 1950-1990”, escrito por Matheus Serva Pereira, discute o gênero marrabenta em uma perspectiva histórica , indicando os diferentes mecanismos usados pela Frelimo, a Frente de Libertação de Moçambique, para controlar as práticas musicais do povo moçambicano.

Andrea também publicou, pela editora Vermelho Marinho e com recursos do edital Auxílio à Editoração, o livro Sonoridades Históricas de Minas Colonial e Imperial, com coautoria de Cesar Buscacio e Virgínia Buarque. A obra oferece um passeio histórico-sonoro pelos caminhos de Minas, passando pelos sertões, sonoridades ameríndias, africanas e afrodescendentes, pela roça, pelos louvores de fé católica e música sacra e pelo cotidiano urbano mineiro.

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