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Publicado em: 03/10/2024 | Atualizado em: 03/10/2024

Cultivo de células de artrópodes abre caminho para diagnóstico preciso e produção de vacinas

Paula Guatimosim

Colônia de carrapatos na ponta de um capim (Fotos: Museu do Carrapato/Embrapa Gado de Corte e arquivo pessoal)

Carrapato. Quem nunca pegou um e ficou por dias com uma coceira que parece não ter fim? Mas os humanos não são seus hospedeiros principais. Os animais, sim, são seus maiores alvos.  Artrópodes hematófagos compreendem insetos (três pares de patas) e os carrapatos (4 pares de patas) que se alimentam de sangue. Podem ser vetores de agentes etiológicos de zoonoses, como transporte mecânicos; ou vetores biológicos, quando parte do ciclo de desenvolvimento ocorre neles.

Carrapatos e as doenças transmitidas por eles são os principais alvos das pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Cultivo de Células da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), uma parceria com a Fiocruz e a Universidade de Liverpool. Estruturado ao longo de anos pelo professor Adivaldo Fonseca, o laboratório possui um dos maiores bancos de células embrionárias de artrópodes hematófagos e hemoparasitos in vitro , o que o torna uma referência no assunto e integrante do banco mundial de células de artrópodes.

Os carrapatos têm distribuição mundial. Cada espécie possui um habitat próprio, o que determina sua distribuição geográfica e importância na transmissão de doenças. Seu ciclo natural de vida é constituído de quatro estágios: ovos, larvas, ninfas e adultos. São ectoparasitas hematófagos, ou seja, alimentam-se de sangue. Algumas espécies utilizam apenas um hospedeiro para completar o ciclo e somente as fêmeas se desprendem do hospedeiro, o que ocorre com os carrapatos de bovinos nos trópicos. Outros necessitam de três hospedeiros para completar o ciclo, sendo que a muda de um estágio para o outro ocorre no ambiente, a exemplo dos carrapatos dos cães e equídeos no Brasil.

No cultivo de células embrionárias, os pesquisadores conseguem, com sucesso, reproduzir no laboratório a interação que ocorre no campo entre parasitas e hospedeiros, reduzindo as experimentações com animais. O laboratório também faz a transferência de material para outras instituições, inclusive sediadas fora do País, que utilizam as células para produção de insumos necessários ao desenvolvimento de vacinas, por exemplo. Ali, em ambiente de assepsia total, também são estudados os agentes etiológicos e produzidos antígenos a partir de patógenos purificados para o diagnóstico sorológico e molecular. “Com a parceria Fiocruz/UFRRJ, estamos buscando estruturar um banco de células autócone, que reflita as características locais, para ganharmos mais eficiência no diagnóstico preciso e de baixo custo”, explica Fonseca. As vacinas comerciais existentes, como a desenvolvida em Cuba, por exemplo, são produzidas com antígenos de outros países.

Adivaldo Fonseca: o médico veterinário se prepara para “passar o bastão” para duas pesquisadoras JCNE da FAPERJ

Filho de pequenos agricultores dedicados principalmente ao cultivo do café, em Alegre, município localizado na Serra do Caparaó, no Espírito Santo, Adivaldo Fonseca conta em primeira pessoa, no seu perfil na internet, que toda a sua infância e parte da adolescência foi intensamente vivida no sítio e na Vila do Café. Para chegar à escola, ele percorria os seis quilômetros de distância a pé, a cavalo ou de bicicleta. No início da adolescência, frequentou a Escola Agrotécnica Federal de Alegre, onde desenvolveu ainda mais a paixão pelas ciências agrárias e animais ao conhecer o professor e veterinário Woley Dunlop Coachman, que o inspirou a seguir a carreira de Médico Veterinário. Em Alegre, ele namorou e depois se casou com a colega de escola Marília Massard da Fonseca, que foi professora no Colégio Técnico da UFRRJ, com quem dividiu os projetos e vida e tem um casal de filhos, também dedicados à vida acadêmica.

Adivaldo concluiu o Curso Técnico em Agropecuária na UFRRJ, onde, depois, graduou-se em Medicina Veterinária e cursou mestrado e doutorado em Ciências Veterinárias. Desde sua Iniciação Científica focou seus estudos nos carrapatos. No final dos anos de 1980, fez pós-doutorado na Universidade da Flórida (EUA) e na Universidade de Edimburgo (Escócia). O pesquisador considera a UFRRJ o celeiro das Ciências Agrárias no estado do Rio de Janeiro. Segundo ele, desde a década de 1960 houve um ambiente muito favorável ao estudo de doenças que afetam a produtividade dos animais de criação. Ele destaca o papel fundamental de Hugo de Souza Lopes (Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz) e Hugo Edson Barboza de Resende (UFRRJ) na estruturação do curso de pós-graduação e na área de estudos dedicada aos carrapatos. “Tivemos uma equipe que permitiu um desenvolvimento diferenciado, na fronteira da ciência”, explica.

O médico veterinário conta que as bolsas da FAPERJ e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foram fundamentais para o desenvolvimento de suas pesquisas. Ele e o também médico veterinário Carlos Luiz Massard participaram e foram contemplados no primeiro edital Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ e depois, separadamente, continuaram tendo apoio da Fundação ao longo de suas vidas acadêmicas. “Tive oportunidade de estruturar parcerias internacionais, primeiro na Flórida - base da minha pesquisa -, depois em Havana (Cuba), e em seguida na Universidade de Liverpool”, esclarece. Contemplado com Bolsas de Bancada para Projetos, da FAPERJ, por 18 anos de forma ininterrupta, atualmente, Fonseca conta com bolsa de Cientista do Nosso Estado, está prestando contas do Programa de Apoio às Instituições de Ensino e Pesquisa Sediadas no Estado do Rio de Janeiro, além de ter obtido para seus alunos bolsas de Treinamento e Capacitação Técnica (TCT), Iniciação Cientítica (IC), mestrado, doutorado e pós- doutorado.

As fêmeas de carrapato podem fazer a postura de centenas de ovos por dia 

Ao longo de mais de 40 anos na UFRRJ - ali ele morou com sua família até se aposentar - também teve o privilégio de conviver com os proeminentes pesquisadores Carlos Tokarnia e Jürgen Döbereiner, cunhado e marido, respectivamente, da também relevante pesquisadora Johanna Döbereiner. Aos 70 anos e 42 anos de efetivo magistério, Adivaldo Fonseca se prepara para “passar o bastão” para duas professoras pesquisadoras: Bruna Baêta e Claudia Bezerra da Silva, ambas Jovens Cientistas do Nosso Estado, da FAPERJ. “Chegou o momento de reconhecer a importância da renovação, a certeza de que os jovens podem aproveitar o que já existe e, com apoio, darem continuidade ao trabalho”, afirma.  “Minha vida foi caracterizada pelo trabalho em equipe e pela formação de recursos humanos”, diz o pesquisador, autor de mais de mais de 200 artigos científicos e corresponsável pela formação de cerca de 4.000 médicos veterinários. Adicionalmente, foi orientador de mais de 100 mestres e doutores e 100 estudantes em nível de iniciação científica. Após sua aposentadoria como professor do Curso de Graduação em Medicina Veterinária, em fevereiro de 2020, continuou como professor permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias da UFRRJ.

Passagem de bastão

Suas sucessoras e responsáveis pelas pesquisas e pelo laboratório, Bruna Baêta e Cláudia Bezerra, ambas bolsistas do programa Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, já sentem o peso da responsabilidade, mesmo tendo estado ao lado do professor durante tantos anos de formação. Bruna Baêta foi professora do curso de Medicina Veterinária, coordenou e foi docente do mestrado profissional em Diagnóstico em Medicina Veterinária, da Universidade de Vassouras (RJ) e atuou como médica veterinária da Prefeitura Municipal de Volta Redonda, tendo retornado à UFRRJ, por concurso público, em 2021. Moradora de Volta Redonda e mãe de uma menina de cinco anos e um bebê de um ano, Bruna se desdobra para dar conta da maternidade e de sua vida acadêmica. Acorda às 6 horas, leva as crianças para a escola (o pequeno acaba de entrar para a creche), segue para a Rural e só retorna às 18h30, para buscar as crianças. Bruna ainda conta com bolsa do Programa Jovem Cientista Mulher, da FAPERJ, que também ajuda a arcar com os altos custos do Laboratório de Cultivo de Células.

Claudia Bezerra (esq.), Matheus Cordeiro e Bruna Baêta estarão à frente das pesquisas no Laboratório

Claudia Bezerra iniciou no laboratório durante seu pós-doutorado e logo em seguida foi aprovada no concurso de Parasitologia da UFRRJ, ingressando como docente em 2019. Moradora do Rio de Janeiro e mãe de uma menina de 3 anos, Claudia também tenta conciliar a maternidade com a docência, pesquisa e ainda a chefia do Departamento de Parasitologia Animal da UFRRJ. Além das docentes, compõe a equipe o pesquisador Matheus Dias Cordeiro. Médico Veterinário e atuante no laboratório desde sua iniciação científica, mestrado e doutorado, Matheus, ingressou como técnico do laboratório ainda durante seu doutorado em 2014 e desde então vem desenvolvendo inúmeras pesquisas na área, sendo contemplado pela bolsa do programa de Jovem Cientista Sul Fluminense da FAPERJ.

A equipe explica que o laboratório está finalizando alguns estudos para solicitar o registro de patente, e assim buscar futuras parcerias com indústrias interessadas na produção de antígenos em larga escala. Bruna Baêta, Claudia Bezerra e mais dois alunos de doutorado estiveram em Cuba, no início de setembro, para um congresso mundial de seis dias na capital, Havana. O "Tick and Tick-Borne Pathogen Conference" é uma das convenções mais importantes do mundo sobre taxonomia e evolução de carrapatos e patógenos transmitidos por esses artrópodes. Ali, a equipe da UFRRJ estabeleceu novas parcerias com instituições que se dedicam a esse estudo.

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