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Publicado em: 31/10/2024 | Atualizado em: 31/10/2024

Livro traz reflexões sobre gestão de espaços para habitação popular, no Brasil e em Portugal

Marcos Patricio

O livro traz, em seus seis capítulos, análises e comparações de ações habitacionais do Brasil e Portugal. (Foto: Divulgação) 

A implantação de política habitacional consistente, sobretudo com a oferta de unidades populares, ainda é uma questão que precisa ser resolvida no Brasil e em várias partes do mundo. E não basta apenas pensar na moradia, em si. É preciso pensar nos espaços urbanos onde as unidades serão implantadas, para que as cidades não fiquem divididas entre áreas para ricos e pobres. Reflexões relacionadas a esse desafio estão presentes em “Urbanismo social para habitação popular – Política e gestão para os espaços urbanos da habitação das classes de baixo poder aquisitivo, no Brasil e em Portugal”. Escrito pelo pesquisador Mário Márcio Queiroz, do Grupo de Pesquisa Transformação, Intervenção e Gestão do Território - TiGT, do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (PPGAU/UFF), o livro é fruto de sua tese de Doutorado.

Editada com o auxílio do Programa de Apoio à Editoração da FAPERJ, a obra, lançada em 2024 pela Editora Outras Letras, avalia a ocupação espacial reservada à população de menor poder aquisitivo no território urbano, nos dois países. Para isso, o autor analisa e compara as ações realizadas no Brasil pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), entre 1964 e 1986; e as políticas implantadas em Portugal pelo Serviço de Apoio e Ambulatório Local (SAAL), após a Revolução dos Cravos, em 1974.

“O livro analisa as políticas habitacionais e faz uma comparação da gestão do processo habitacional; mostra como Portugal resolveu questões que o Brasil não conseguiu resolver”, afirma Queiroz, especialista em Sociologia Urbana e doutor em Arquitetura e Urbanismo. “No caso do Brasil, o BNH direcionou apenas 8% dos investimentos para moradias destinadas à população de baixa renda. A maior parte dos recursos foi direcionada para a classe média, que era quem poderia pagar e dar retorno ao investimento realizado”, destaca. O nome Ambulatório, do programa português, já era uma noção de que havia uma patologia na condição habitacional a ser tratada. “Essa é uma das diferenças. Enquanto em Portugal o órgão gestor se caracterizou por assistência às condições habitacionais deterioradas, no Brasil as ações foram configuradas sob égide de um banco e possíveis objetivos financeiros”, compara. 

A segregação socioespacial é uma das questões abordadas no livro. O tema é retratado na foto, que mostra a favela de Paraisópolis e condomínios do Morumbi, em São Paulo, separados por um muro. (Foto: Tuca Vieira/Divulgação Mário M. Queiroz) 

Mas as diferenças entre as políticas implantadas no Brasil e em Portugal naquela época não residiam apenas nos nomes dos programas. Estavam relacionadas, principalmente, ao espaço utilizado. O que no caso do Rio de Janeiro acabou refletindo na divisão da cidade. No Rio, moradores de algumas áreas da zona Sul foram removidos para moradias criadas em bairros distantes. “As pessoas eram transferidas para a periferia ou ficavam em áreas que o mercado imobiliário não queria, as áreas situadas nos morros”, argumenta.

Vale destacar que, no Rio de Janeiro, o mercado de investimentos imobiliários foi determinante para desenhar as regiões da cidade e a sua divisão entre áreas nobres e outras menos valorizadas. Isso contribuiu para a segregação socioespacial na cidade, ou seja, a divisão de espaços para contingentes populacionais diferenciados, resultante de uma fragmentação territorial, tema finalizado por Queiroz em seu pós-doutorado, também no PPGAU/UFF.

O urbanista faz um alerta no livro sobre os prejuízos causados por essa divisão. “Enquanto fragmentarmos nossa casa (a cidade), em lugares determinados pela configuração de espaços para ricos e pobres, nunca conseguiremos conjugar uma relação familiar sólida, e a nossa casa irá ruir, mais cedo ou mais tarde”, enfatiza Queiroz, nas páginas iniciais. Para o autor, o processo de desmoronamento da cidade é perceptível. “É o que está acontecendo hoje. É a existência de locais, onde o cidadão não pode circular, por causa de discrepâncias sociais e comportamentais”, afirma.

Nesse processo de fracionamento, Queiroz destaca a estrutura fundiária da cidade, caracterizada pela concentração de extensas áreas sob a propriedade de poucas empresas do ramo da construção civil. “O grande elemento que deu a diferenciação foi essa distinção, do mercado imobiliário, que passou a ter a gestão sobre o território. Era ele que determinava quais seriam os vetores de expansão da cidade”, explana o pesquisador. Ele cita o exemplo da companhia que comprou vários terrenos na Barra da Tijuca e no Recreio dos Bandeirantes e ficou esperando a valorização. Após o poder público fazer melhorias nesses bairros para expansão da cidade, a empresa construiu uma série de empreendimentos por lá, aproveitando o crescimento da região.  

Em Portugal, o padrão das habitações populares (à direita) se confunde com o das demais. Classes de maior e menor poder aquisitivo dividem os mesmos espaços. (Foto: Divulgação/Mário M. Queiroz)

No Brasil, os primeiros programas habitacionais remontam à década de 1930, com a criação dos antigos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP’s), responsáveis por conjuntos habitacionais, como o IAPI, destinado aos empregados da indústria; o IAPC, do comércio; e o IAPTEC, da área de trabalhadores da estiva e transportes de cargas.  “Desde essa época, todas as políticas habitacionais do país entregaram ao empresariado a tarefa de construir as moradias”, explica.

Já em Portugal, o processo foi bem diferente. “Lá foi criado um órgão, o SAAL, que teve um braço financeiro, o Fundo de Fomento Habitação (FFH). As pessoas que reivindicavam melhoria habitacional, faziam diretamente por intermédio das associações de moradores. Essas associações contratavam os projetos junto aos arquitetos que estavam vinculados ao programa”, conta.

“Em Lisboa e no Porto, havia algumas áreas invadidas. Então, durante a operação SAAL, os moradores eram retirados momentaneamente do local, o arquiteto fazia um projeto novo e as pessoas eram recolocadas no mesmo lugar. Foram reinseridas no espaço da cidade, onde já havia comércio, cinema, biblioteca e tudo mais”, explica. “Hoje, a população mais pobre está inserida nas mesmas áreas que os mais ricos, onde não há a diferença na ocupação dos espaços urbanos. Ambos ocupam os mesmos espaços”, afirma.

Estruturado em seis capítulos, o livro, de 336 páginas, analisa a espacialização urbana voltada à classe pobre em quatro blocos investigativos. Em um deles, o autor considera as distorções socioespaciais impostas pelo capital especulativo, que determinou a fragmentação urbana do território e a consequente segregação para o assentamento das classes sociais. Em outro bloco, aborda a aplicação de instrumentos de política urbana para a busca de equanimidade socioespacial. Posteriormente, Queiroz faz comparações entre as práticas da gestão governamental para a produção do espaço urbano, a partir de exemplos de ações realizadas no Rio de Janeiro e em Lisboa.

Arquiteto e urbanista, Mário Márcio Queiroz avaliou, no livro, os espaços reservados à habitação popular a partir da análise de políticas habitacionais do Brasil e Portugal. (Foto: Marcos Patricio)

Finalmente, ele elabora uma metodologia de análise qualitativa dos espaços urbanos utilizados para assentamento de moradias destinadas às pessoas de menor poder aquisitivo. Com ela, aponta variáveis para futuros projetos destinados à classe popular nas cidades, que contem com a participação de arquitetos e urbanistas. “Você não pode fazer o planejamento do território sem avaliar determinadas condições para saber se o pobre vai poder ou não se assentar ali”, conta o professor, que reúne no livro estudos de caso para 60 experiências habitacionais, sendo 37 do SAAL e 23 de conjuntos residenciais da Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro (Cehab-RJ).

Para além do livro, o pesquisador vê com satisfação a volta da atividade residencial em áreas do Centro. “O Rio de Janeiro começa a dar, nesse momento, uma virada de página com a permissão da habitação na área central da cidade. Uma área dotada de infraestrutura. Está sendo realizada uma série de investimentos no Centro, com a transformação de prédios em moradias, que requalifica a cidade, bem como a implantação de novos empreendimentos. Isso resgata uma vivência urbana, que integra escritórios, comércio, áreas culturais e para morar. Cidades em países desenvolvidos obtiveram esta condição, através da requalificação urbanística e do Retrofit em construções obsoletas. Em Nova Iorque se fez assim, bem como em Lisboa e Roma também”, conclui.

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