Paul Jürgens
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Laboratório multiusuário dedicado à preservação da produção audiovisual amadora do estado do Rio de Janeiro e do cinema não profissional, a equipe do Lupa recebe e recolhe, desde 2017, filmes antigos, registrados em película e em outros formatos, fazendo a sua conservação e digitalização (Fotos: Divulgação) |
Com um acervo que guarda preciosidades em imagens antigas, gravadas principalmente por pessoas comuns com suas câmeras amadoras, o Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (Lupa/UFF) vem ganhando destaque não só dentro do ambiente acadêmico mas também fora dele. Laboratório multiusuário dedicado à preservação da produção audiovisual amadora do estado do Rio de Janeiro e do cinema não profissional, a equipe do Lupa recebe e recolhe, desde 2017, filmes antigos, registrados em película e em outros formatos, fazendo a sua conservação e digitalização.
O laboratório é vinculado ao Departamento de Cinema e Vídeo do Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS), e ao Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual (PPGCine) da UFF. No acervo do Lupa estão, entre outras preciosidades, imagens de personagens que participaram ativamente do cenário político, artístico e intelectual das décadas de 1960 e 1970. Ali, há centenas de horas de gravações que incluem filmes nas bitolas 8mm, super 8, 16 mm e 9,5 mm, e que abordam assuntos variados que vão desde filmes de circulação interna nas empresas, registros de obras e ensaios de shows, até entrevistas com políticos. O laboratório recebe doações de filmes em um esforço de preservação para que esses registros não se percam no tempo.
“O cinema amador, que é o nosso foco principal, não significa filmes ruins, mas filmes que não foram feitos por profissionais ou para circular nos circuitos profissionais. Isso inclui filmes feitos por estudantes, amadores, de família, filmes às vezes institucionais, industriais, uma gama de filmes que muitas vezes são considerados filmes órfãos”, explica Rafael Luna Freire, coordenador do Lupa, e professor de História do Cinema Brasileiro no bacharelado e na licenciatura em cinema da UFF e no Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual da universidade.
O técnico do IACS Diogo Martins Rembold conta que o laboratório recebe, principalmente, filmes de acervos domésticos, em bitolas estreitas, como é o caso do 16mm, 9,5mm, Super 8 e o 8mm. “Alguns chegam em bom estado. Mas pelo fato de vivermos em um país com clima tropical, quente e úmido, outros sofrem com a chamada ‘síndrome do vinagre’, que provoca a deterioração das películas feitas de acetato de celulose”, diz Rembold, que se dedica ao restauro de peças históricas e possui um notável acervo particular de filmes e projetores.
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Fornecer o apoio técnico e disponibilizar a infraestrutura necessária para o desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa, extensão e inovação na área de preservação audiovisual estão entre os objetivos do Lupa. Na foto, alunos do curso de cinema da UFF fazem uso do acervo do laboratório |
“Muitas vezes os filmes amadores reproduzem a realidade da sociedade de uma forma mais direta, porque foram feitas por pessoas comuns para serem assistidos por pessoas igualmente comuns”, diz Freire, que atuou no passado como coordenador do Setor de Documentação na Cinemateca do MAM. Ele ressalta que o Rio é uma das cidades mais filmadas do Brasil e do mundo, e que o restante do estado tem menos visibilidade, sendo mostrado sobretudo em filmes familiares, feitos por pessoas comuns que queriam reproduzir o dia a dia delas. “Aqui no Lupa temos um vasto material sobre várias cidades, que inclui desde Niterói, onde fica o campus principal da UFF e o nosso laboratório, até Petrópolis, Teresópolis, Cabo Frio, entre outras”, complementa.
Fornecer o apoio técnico e disponibilizar a infraestrutura necessária para o desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa, extensão e inovação na área de preservação audiovisual, assim como capacitar pesquisadores, técnicos, docentes e discentes, estão entre os objetivos do Lupa. O espaço também mira a promoção e preservação, prioritariamente, da produção e a cultura audiovisual amadora do estado do Rio de Janeiro – incluindo o material produzido nos cursos de graduação em cinema e audiovisual da universidade –, assim como as imagens em movimento e sons produzidas no Estado do Rio ou por cidadãos fluminenses, em todos os formatos e suportes e que não tenham sido destinados à difusão nos circuitos profissionais do audiovisual.
Um dos equipamentos de maior destaque no laboratório é um scanner profissional para digitalização de filmes de arquivo, em bitolas estreitas, instalado em 2021, e que, de acordo com Freire, foi o primeiro em uso numa universidade no País. “Ele nos deu autonomia para digitalizar o nosso próprio acervo, centrado nas doações que nos chegam de todas as partes do estado e de outras regiões também”.
A criação do Lupa é uma consequência do pioneirismo do curso de graduação em Cinema e Audiovisual da UFF no campo da preservação audiovisual, tendo sido o primeiro curso universitário no País a oferecer, a partir de 2000, disciplina optativa sobre o tema. Em 2018, o Lupa lançou seu site e conquistou uma sala própria no casarão do IACS. Em 2023, ampliou suas instalações com a inauguração do novo prédio do IACS, no campus do Gragoatá, em Niterói.
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Rafael Luna Freire: para o coordenador do Lupa, os filmes amadores, muitas vezes, reproduzem a realidade da sociedade de uma forma mais direta, uma vez que foram feitos por pessoas comuns para serem assistidos por pessoas do seu entorno social (Foto: Divulgação) |
Recentemente, o laboratório ganhou espaço na mídia por causa das imagens feitas pelo alagoano Esdras Baptista, falecido em 1988. Mais de mil rolos de filmes do fotojornalista e cinegrafista foram higienizados, acondicionados e catalogados pela equipe do Lupa após serem doados ao laboratório pela neta do autor das imagens, em 2019. Aos poucos, o laboratório vem digitalizando e dando acesso a esse enorme acervo. Nas imagens, há registros de eventos históricos, como a Passeata dos Cem Mil, que lotou a Cinelândia, em 1968, com a presença de Vinícius de Moraes, Tonia Carrero, Leon Hirzman, Paulo Autran e Grande Otelo, entre outros.
Em outras das películas, vê-se a visita do cosmonauta russo Yuri Gagarin à sede da UNE, na Praia do Flamengo, a visita de Fidel Castro ao Rio, em 1959, registros de artistas como Nara Leão, Elis Regina, Rita Lee, Elza Soares e Maria Bethânia, todos ainda jovens ou em princípio de carreira, e outras raridades como Cartola e Clara Nunes cantando juntos pelas ruas da Mangueira ao lado de Carlos Cachaça.
Para Freire, o fato de o Lupa estar dentro de uma universidade faz, nas palavras dele, uma enorme diferença. “O universo dos arquivos de filme é muito isolado historicamente da universidade, da academia. Assim, estar aqui [na UFF] permite aproximar esses ambientes e também melhorar a formação dos futuros profissionais, criando uma consciência entre aqueles que vão trabalhar com audiovisual da importância da memória e da preservação da nossa história, para além de formar especialistas em preservação audiovisual. Acabamos, desse modo, virando o principal espaço onde técnicos e restauradores descobrem essa atividade e acabam abraçando essas profissões, sobre as quais, muitas vezes, até então ignoravam”.
O laboratório está aberto a doações de filmes de todo tipo, em um esforço de preservação para que esses registros não se percam no tempo.
Atualmente, o Lupa desenvolve dois projetos com apoio da FAPERJ, contemplados nas chamadas Auxílio à Pesquisa (APQ 1), de 2023, e Programa de Apoio a Projetos Temáticos no Estado do Rio de Janeiro, de 2022, ambos coordenados pelo professor Rafael de Luna Freire.
Confira videorreportagem sobre as atividades do Lupa/UFF no canal da FAPERJ no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=t1EwYfwaR28