Claudia Jurberg
Ananda da Silva Antonio (esq.) e Gleicielle Tozzi Wurzler: pesquisadoras do Núcleo de Análises Forenses (Foto:Divulgação) |
Um acordo de colaboração técnica entre o Núcleo de Análises Forenses (NAF), do Laboratório de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico, do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e a Secretaria Estadual de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro tem possibilitado o estudo de amostras de drogas inalantes como o "Cheirinho da Loló", consumidas no estado, e o desenvolvimento de uma metodologia de análise rápida e eficaz da composição das amostras apreendidas. Coordenado pela professora Gabriela Vanini Costa e pelo professor Francisco Radler de Aquino Neto, a pesquisa é desenvolvida desde 2021.
Segundo a doutora em Química Ananda da Silva Antonio, que atualmente realiza estágio de Pós-Doutorado junto ao Núcleo de Análises Forenses (NAF) no Laboratório de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da UFRJ (Ladetec/IQ-UFRJ), a ausência de atualização na metodologia empregada pelos órgãos internacionais de controle e prevenção às drogas de abuso se deve, principalmente, à subnotificação de dados acerca das drogas inalantes e ao fato dessas serem consideradas como menos nocivas que outras drogas como o ecstasy e a cocaína. Porém, em 2020, foi observado que o número de novos usuários de drogas inalantes foi maior que o de usuários de cocaína, metanfetamina e heroína. No Brasil, estima-se que solventes inalantes correspondam ao segundo tipo de droga de maior abuso no País, sendo consumida por 6,1% da população.
"Desde 1997, os métodos destinados à análise de inalantes no contexto da química forense não sofreram atualizações. Uma das vertentes de nosso acordo de colaboração com a Policia Civil inclui a capacitação dos peritos em métodos de análise mais avançados que os tradicionais", ressalta Ananda.
Pela parceria, o método aplicado para análise de drogas inalantes tem sido por meio da técnica de cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas, comparando seu desempenho com o de métodos empregados na elucidação de solventes voláteis. A avaliação criteriosa é otimizada pelo método preconizado pela United Nations Office on Drugs and Crime. O resultado mostrou que foi possível reduzir o tempo de análise pela metade e ainda aumentar a resolução da separação dos constituintes presentes em drogas inalantes, o que é um fator fundamental para sua correta identificação e futura quantificação.
A pesquisa mostrou que, durante a análise de amostras de drogas inalantes apreendidas no Rio de Janeiro, foi possível identificar 21 compostos distintos, dentre os quais o tricloroetileno, diclorometano e clorofórmio. Vale ressaltar que estes três constituintes majoritários são altamente tóxicos quando inalados, sendo considerados agentes cancerígenos. A elucidação da composição química de drogas de abuso apreendidas no estado, tem ainda como uma de suas principais vantagens a contribuição com a inteligência policial.
De acordo com Ananda, a composição química do "Loló" no Brasil apresenta distinções, dependendo do estado e ano de apreensão. "Entre 2007 e 2011, o clorofórmio era o principal constituinte das drogas inalantes apreendidas em Pernambuco. Em 2015, o tricloroetileno foi o constituinte majoritário encontrado no 'Loló' em São Paulo. E entre 2014 e 2019, o constituinte mais frequente do 'Loló' na Paraíba foi o diclorometano. E segundo a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, no período anterior à pandemia de Covid-19, o constituinte prioritário era o tricloroetileno – anti-respingo de solda", conta.
A predominância de diclorometano nas amostras analisadas pelos pesquisadores pode estar relacionada à Lei no 8.536, de 27 de setembro de 2019, do estado do Rio de Janeiro, o qual aumentou a fiscalização sobre a venda de produtos que contenham tricloroetileno, como tentativa de refrear a fabricação de drogas inalantes no estado.
Ananda ressalta que, com base nessas informações do perfil químico, as políticas públicas de contenção do tráfico de drogas podem ser atualizadas de forma eficiente.
Gabriela Vanini Costa (à dir.) e Francisco Radler de Aquino Neto: coordenadores de nova pesquisa com drogas inalantes, que teve início em 2021 (Foto: Divulgação) |
Problema de saúde pública global – O abuso de drogas inalantes envolve uma questão global de saúde pública, principalmente no que se refere à população de crianças e adolescentes. As drogas inalantes, popularmente consumidas no País são conhecidas como “Loló do mal”, “Loló”, “Cheirinho da Loló” ou “Lança-Perfume” e são produzidas a partir de produtos lícitos como removedor de tinta.
Como os usuários de drogas inalantes são, principalmente, jovens entre 15 e 21 anos, os danos causados podem ser tão perigosos quanto o de outras drogas. Além do potencial cancerígeno, a longo prazo, o tempo de inalação e da concentração dos solventes presentes na droga podem causar uma condição conhecida como "morte súbita por inalação". O que ocorre nesse caso é que os efeitos dos solventes no sistema nervoso central causam um aumento rápido e irregular nos batimentos cardíacos, causando ataque cardíaco fulminante.
Outro ponto importante é que o abuso prolongado desses solventes pode ainda causar danos permanentes às fibras nervosas no cérebro, causando uma condição clinicamente semelhante à observada na esclerose múltipla.
No Brasil, não existem dados epidemiológicos específicos sobre o "Cheirinho da Loló". Apesar das políticas públicas, o País ainda enfrenta um cenário de subnotificação de ocorrências. Como o "Cheirinho da Loló" é uma droga de abuso relativamente barata, a maior parte dos consumidores são jovens, abaixo dos 21 anos, e de grupos sociais vulneráveis, como jovens em situação de abandono e em situação de rua. Estima-se que, entre os jovens entre 8 e 12 anos em situação de rua, 24% deles, já tenham feito o consumo de "Loló" ou "Lança-Perfume". O Brasil é um dos maiores consumidores dessas drogas inalantes nas Américas.
De acordo com o II Relatório Brasileiro sobre Drogas, as regiões Sul e Sudeste do País concentram os maiores índices de usuários dessas drogas inalantes. Este trabalho foi apoiado pela FAPERJ, vinculada à Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti), dentro do âmbito do Programa Redes de Pesquisa em Saúde, em projeto coordenado pelo professor Francisco Inácio Bastos, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica da Fiocruz, e contemplado com recursos no valor aproximado de R$ 700 mil.
No Rio de Janeiro, o Laboratório do Instituto de Química da UFRJ é o único a trabalhar nessa linha de pesquisa. Poucos laboratórios brasileiros têm investido no tema, principalmente devido à subnotificação, baixa quantidade de profissionais e grande atenção que as drogas sintéticas demandam.