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Publicado em: 27/06/2024 | Atualizado em: 27/06/2024

Canabidiol inspira novas moléculas para combater a Covid-19

Paula Guatimosim

Uma série de novas moléculas sintéticas, inspirada na estrutura química do canabidiol, levou à descoberta de duas substâncias inéditas e inovadoras, tanto com atividade antiviral contra o SARS-Cov-2, quanto inibitória da ECA-2 e anti-inflamatória em modelo animal que simula a inflamação pulmonar típica da Covid-19 (Arte: Claudio Viegas Jr./Unifal)

Responsável por uma pandemia que atingiu mais de 236 milhões de pessoas em todo o mundo, o vírus SARS-Cov-2 (Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2), causador da Covid-19, provocou mais de 4,8 milhões de óbitos. No Brasil foram mais de 21 milhões de casos e cerca de 700 mil óbitos. A doença gera uma resposta inflamatória agressiva, que os pesquisadores descreveram como uma “tempestade de citocinas”, provocando severos danos nas vias respiratórias que podem evoluir para quadros mais graves, neuroinflamação e prejuízos cognitivos de longo prazo.

Redes de pesquisadores em todo o mundo continuam na busca por um maior e melhor entendimento a respeito tanto da doença quanto da sua evolução e danos tardios, pois é certo que o vírus continuará circulando, em menor ou maior intensidade. Estudos também se dedicam à análise de novas moléculas com potencial de redução do quadro inflamatório, assim como avaliam a eficácia de medicamentos antigripais e antivirais já disponíveis no mercado para outros fins, ou seja, buscam o reposicionamento de fármacos, além da síntese de novos análogos e derivados com perfil farmacológico otimizado.

Por meio do edital Enfrentamento Covid 19 – Terceira Edição da Chamada Emergencial de Projetos para Combater os Efeitos da Covid-19, lançado pela FAPERJ em 2021, a pesquisadora Patrícia Dias Fernandes, graduada em Biociências pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), mestre e doutora em Química Biológica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-doutora em Imunofarmacologia pela Universidade de São Paulo (USP), coordenou uma equipe de 16 pesquisadores de várias instituições como UFRJ, Universidade Federal Fluminense (UFF) e Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), dos quais 10 são Jovens Cientistas do Nosso Estado ou Cientistas do Nosso Estado da FAPERJ no projeto “Aplicação de modelos pré-clínicos in vivo e in silico reposicionamento de fármacos ou novas moléculas sintéticas para tratar e combater a Covid-19”.

Patrícia Dias Fernandes (à dir.), coordenadora do estudo, que conta com a participação da bolsista de Pós-Doutorado Nota 10 da FAPERJ Patrícia Ribeiro de Carvalho França (foto: Divulgação)

Os pesquisadores acreditam que as doenças, cuja incidência ou alcance geográfico vêm aumentando rapidamente, são um fardo significativo para as economias e os sistemas de saúde globais. O estudo considera que a ocorrência de epidemias virais com desfechos clínicos imprevisíveis tem sido altamente frequente no Brasil, como as epidemias de arboviroses (dengue, zika, chikungunya), que se tornaram endêmicas no Estado do Rio de Janeiro. Estudiosa da farmacologia da dor e da inflamação, Patrícia Dias buscou, na quimioteca do Laboratório de Pesquisa em Química Medicinal – PeQuiM, da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), parceiro em diversas pesquisas em andamento, moléculas oriundas de projetos anteriores e que tinham atividades anti-inflamatória, neuroprotetora ou antimicrobiana evidenciadas para serem reinvestigadas em modelos computacionais para a enzima ECA2, considerada a porta de ligação da proteína spike existente no vírus para invasão da célula humana. 

Das moléculas estudadas, quatro mostraram ser as mais potentes, tendo efeitos tanto diretamente contra o SARS-Cov-2 (efeito antiviral), como inibiam o receptor ECA2. Os dados obtidos até o momento mostraram que a atividade antiviral foi extremamente potente, chegando à ordem de fentomolar, enquanto que a capacidade de inibir a ECA2 foi na faixa de nanomolar. Além disso, em modelo in vivo de pneumonia causada pelo vírus SARS-Cov-2 e desenvolvido em animal transgênico expressando o receptor ECA2 humano, ambas as moléculas mostraram eficácia em reduzir significativamente o perfil inflamatório pulmonar, assim como diversos parâmetros associados à inflamação causada pelo vírus. “Sabendo que a descoberta de uma molécula com esse potencial é inovadora, registramos a patente 'Uso de hidrazonas análogas ao canabidiol em medicamentos antivirais'”, explica Patrícia. O número do processo de registro no INPI é BR 10 2024 010067 0. As outras duas moléculas, da classe dos fungicidas triazóis, e que também possuem efeitos antivirais e anti-inflamatórios, terão patente depositada em breve, esclarece Patrícia. 

A descoberta contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que ao longo da pandemia se dedicaram ao desenvolvimento de vacinas e inativaram o vírus SARS-Cov-2; e da UNIFAL-MG, no Sul de Minas Gerais, a partir de uma tese de doutorado orientada pelo doutor em Química, Claudio Viegas Jr., e ainda pelo LNCC, que investigou computacionalmente o potencial das moléculas a partir da sua interação com diferentes alvos do vírus.
 

Graziella dos Reis Rosa Franco (C) elegeu o canabidiol como foco de seus estudos no mestrado e no doutorado, orientada por Claudio Viegas Jr., que também conta com Vanessa Silva Gontijo em sua equipe na Unifal (Foto: Divulgação)

O professor Viegas Jr. conta que em 2019, assim como toda a comunidade científica, o laboratório PeQuiM, sob sua coordenação na UNIFAL-MG, também acompanhava as pesquisas sobre a Covid-19 e decidiu iniciar estudos computacionais na busca por novas moléculas que pudessem ter potencial para produzir fármacos contra a doença. “Nosso grupo se dedicava ao estudo do desenvolvimento de doenças crônicas e inflamatórias, buscava uma forma de frear a tempestade de citocinas provocada pela Covid-19”, conta o pesquisador. Segundo ele, uma de suas alunas de mestrado, Graziella dos Reis Rosa Franco, elegeu o canabidiol como foco de estudo em 2017. Naquela época o canabidiol era utilizado principalmente para distúrbios de ansiedade, depressão e epilepsia. Mas não apenas o uso era restrito como as pesquisas eram proibidas. “Para fugir da proibição, passamos a planejar e desenvolver moléculas com similaridade estrutural ao canabidiol”, esclarece o professor que, posteriormente, orientando a aluna já no doutorado, confirmou as propriedades anti-inflamatórias destes novos análogos sintéticos do canabidiol.
 
“Nosso protótipo de candidato a fármaco foi protegido por patente para que a descoberta não seja apropriada por outros países”, afirma Viegas Jr. que, como toda a equipe envolvida no projeto, que foi prorrogado pela FAPERJ até julho, espera que o resultado atraia o interesse da indústria farmacêutica para estabelecer parceria e dar continuidade aos ensaios pré-clínicos. “Até mesmo porque o mais difícil já foi feito, agora resta o mais dispendioso, e que a Universidade não tem vocação e recursos para conduzir”, alega.

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