Marcos Patricio
À esquerda, o fígado cirrótico; na outra imagem, o órgão descelularizado. De acordo com o estudo, o transplante de trechos descelularizados de fígado pode induzir a regeneração do órgão com doença hepática, recuperando sua função (Foto: Divulgação – GEF/UFRJ) |
Uma pesquisa liderada por cientistas do Grupo de Estudos do Fígado (GEF), do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF/UFRJ), demonstrou, pela primeira vez, que o transplante de trechos de fígado descelularizado pode estimular a regeneração do órgão com cirrose, recuperando sua função. O trabalho, que contou com a colaboração de cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), recebeu o apoio da FAPERJ.
Um artigo de autoria do pesquisador Marlon Lemos Dias, do GEF/IBCCF/UFRJ, descrevendo o estudo, foi publicado na revista Cells. “Nesse artigo, o grupo investigou a hipótese de que arcabouços acelulares poderiam ser transplantados diretamente em um animal receptor doente, confiando inteiramente na sua capacidade de promover a repopulação de células residentes capazes de regenerar o tecido hepático. Nossos resultados indicaram que, mesmo em condições de doença hepática, o corpo pode agir para promover a recelularização de arcabouços acelulares e que estes induzem a regeneração hepática em fígados cirróticos após o transplante”, explica Dias, doutor em Ciências Biológicas-Biofísica pelo IBCCF/UFRJ com período sanduíche na University College London.
O trabalho fez parte da tese de doutorado de Dias, intitulada “Bioengenharia de arcabouços hepáticos acelulares: da hemocompatibilidade à recelularização in situ”, defendida em 2023, e que valeu a ele o Prêmio de Melhor Tese do Ano do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas-Biofísica (PPG Biofísica) do IBCCF e uma indicação ao Prêmio Capes de Teses. O pesquisador foi orientado pela professora Regina Coeli dos Santos Goldenberg, coordenadora do GEF.
O estudo realizado em ratos é a prova de conceito que demonstra que, no futuro, fígados bioartificiais – órgãos doentes recuperados em laboratório – poderão ser transplantados com sucesso em humanos, tornando-se uma alternativa para os pacientes que aguardam na fila a recepção do órgão. Até março de 2024, mais de 1.300 pacientes adultos e pediátricos esperavam por um transplante de fígado, de acordo com os números do Registro Brasileiro de Transplantes, atualizado pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). As doenças hepáticas são responsáveis por milhares de mortes em todo o mundo.
O estudo com arcabouços acelulares fez parte da tese de doutorado de Marlon Dias (à esq.), que foi orientado pela coordenadora do GEF/UFRJ, Regina Goldenberg. O trabalho deu a ele o Prêmio de Melhor Tese do Ano do PPG Biofísica, em 2023 (Fotos: Divulgação e Marcos Patricio) |
O mesmo estudo demonstrou outros fatos importantes. “Observamos que o fígado descelularizado pode ser recelularizado por células saudáveis, que criaram um tecido hepático organizado e funcional após o transplante em animais com cirrose hepática”, explicou Dias, que até 2023 foi bolsista do programa Doutorado Nota 10 da FAPERJ.
“Além disso, fornecemos provas de que os produtos de engenharia de tecidos, como os biomateriais, podem ser combinados com citocinas terapêuticas e oferecer uma nova abordagem terapêutica para o tratamento de doenças hepáticas agudas e crônicas em humanos”, afirma o jovem cientista, agora com 28 anos, que ao concluir o pós-doutorado, em Londres, retornou ao Grupo de Estudos do Fígado, onde atua como professor substituto.
Criado há 13 anos, o GEF está instalado, desde 2023, no Centro de Pesquisa em Medicina de Precisão (CPMP) do IBCCF/UFRJ, na Ilha do Fundão. “A missão do Grupo é realizar uma série de estudos, cujo objetivo principal é a produção de fígados bioartificiais para serem transplantados em pacientes que estão na fila de espera. Temos poucos doadores, se comparado ao número de pessoas que necessitam de um fígado. Então, é preciso dar uma opção terapêutica para quem está na fila aguardando um órgão”, explica a coordenadora do GEF, professora Regina Goldenberg, que é Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. O Grupo reúne professores, alunos de graduação, de mestrado, de doutorado e pós-doutores de diferentes áreas, como Biologia, Biomedicina, Farmácia e Medicina.
As atividades realizadas pelo GEF foram tema de um vídeo produzido pelo Canal de Divulgação Científica da FAPERJ no YouTube.
Veja também (FAPERJ no YouTube): Grupo de Estudos do Fígado da UFRJ busca recuperar órgãos doentes e diminuir fila de transplantes.