Débora Motta, de Belém
Mesa de abertura da Reunião Anual da SBPC, realizada no Theatro da Paz, reuniu pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento, representantes das universidades e entidades acadêmicas, e gestores em Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) de todo o País (Foto: Jardel Rodrigues) |
A importância de um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia e a necessidade de reduzir as assimetrias econômicas regionais foram a tônica dos debates que permearam a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que teve início no dia 7 de julho e vai até este sábado, dia 13, na capital paraense. Considerado o maior encontro científico da América Latina, com mais de 280 atividades e um público de cerca de 35 mil pessoas, o evento ocorre no campus Guamá da Universidade Federal do Pará (UFPA), às vésperas da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30), que será realizada em Belém, em novembro de 2025. Nesta edição, o tema escolhido foi “Ciência para um futuro sustentável e inclusivo: por um novo contrato social com a natureza”. A FAPERJ, sócia institucional da SBPC desde 2022, foi representada pelo seu presidente, Jerson Lima, que participou de debates sobre o financiamento à pesquisa e da abertura do evento.
A cerimônia que marcou o início da Reunião foi realizada na noite de domingo, no Theatro da Paz, joia arquitetônica da Belle Époque na Amazônia, que teve sua lotação máxima esgotada (900 lugares). Pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento, representantes das universidades e entidades acadêmicas, e gestores em Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) de todo o País prestigiaram a ocasião. O reitor da UFPA, Emmanuel Tourinho, ressaltou a necessidade de se estabelecer políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia que coloquem os povos amazônidas como protagonistas de suas histórias. “Esse território verde, cheio de florestas e rios caudalosos quando visto de cima, é feito de gente que sofre com a espoliação de seus direitos e raramente é ouvida nos gabinetes onde são assinados os projetos que decidem sobre seus destinos. É preciso ouvir essa gente ribeirinha, que oferece a experiência da interação não predatória com a natureza”, ponderou.
O presidente da SBPC, Renato Janine, contou que a escolha de Belém para sediar a SBPC não se deu por causa da COP-30. “Escolhemos a capital paraense porque tradicionalmente a Reunião Anual da SBPC ocorre em regiões distintas. Mas há um forte caráter simbólico nessa escolha. Belém é a porta de entrada para a Amazônia e estamos diante de várias ameaças climáticas. Apesar desse contexto, presenciamos desafios como o negacionismo climático e da ciência, que custou recentemente, na pandemia de Covid, a perda de 700 mil vidas no Brasil. Se Rousseau cita o estabelecimento de um contrato social para haver democracia, acrescentamos que essa democracia inclui direitos humanos e ambientais, tema desse encontro”, resumiu.
O diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Pará (Fapespa), Marcel Botelho, lembrou que a questão ambiental deve ser tratada como prioridade nas políticas de desenvolvimento. “Enquanto nos reunimos sob o manto da esperança e do comprometimento com o futuro da Amazônia, é imperativo que lancemos um olhar crítico sobre os desafios que enfrentamos e as oportunidades que temos à nossa frente para alcançarmos um desenvolvimento verdadeiramente sustentável. Pois, estamos em um ponto crítico da nossa história, onde a necessidade de preservação ambiental se choca com as demandas de desenvolvimento econômico. No entanto, acredito firmemente que, por meio da ciência, da inovação e da colaboração, podemos encontrar um caminho que nos leve a um futuro onde o desenvolvimento e a conservação andem de mãos dadas”, destacou ele, reforçando a importância de uma distribuição mais equitativa de recursos para a pesquisa e desenvolvimento da região amazônica.
A ministra da C,T&I, Luciana Santos, se referiu às reuniões anuais da SBPC como espaços privilegiados de troca, para se difundir, discutir e pensar Ciência. “As Reuniões da SBPC são o ambiente da valorização do conhecimento, da pesquisa, da tecnologia e da inovação, de reunir o Brasil que acredita na ciência e que produz excelência”, elogiou. Ela destacou a importância de se investir na Amazônia. “Queremos investir no Norte, porque entendemos o papel dessa região para o desenvolvimento sustentável e sabemos que o desenvolvimento tem que ser para todos. O estabelecimento de fontes estáveis para o financiamento de políticas de ciência, tecnologia e inovação é um dos fatores que mais podem contribuir para a diminuição de assimetrias regionais”, completou. A ministra anunciou que o governo federal deverá investir cerca meio bilhão de reais para o desenvolvimento científico e tecnológico na região amazônica, e que os recursos são oriundos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT), que entrará com R$ 160 milhões, do Programa ProAmazônia, com R$ 150 milhões, e do Programa de Ciência, Tecnologia e Inovação para Segurança Alimentar e Erradicação da Fome, com R$ 184,2 milhões.
Também participaram da mesa de abertura a presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader; o presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Vinícius Soares; o presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Celso Pansera; a presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Denise Pires de Carvalho, ex-reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ricardo Galvão; o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, entre outras autoridades, incluindo gestores das diversas fundações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs) e o presidente do Conselho Nacional das FAPs (Confap), Odir Dellagostin.
Ao lado do presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, anunciou que o governo federal pretende investir cerca de meio bilhão de reais em programas diversos na Região Amazônica (Foto: Jardel Rodrigues) |
A cerimônia contou com um concerto da Orquestra Sinfônica Altino Pimenta, do Coro Universitário e do Madrigal da Escola de Música da UFPA. Também foi realizada a entrega da 44ª edição do Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica, que teve como vencedor, na categoria Instituição, o Butantan. Houve ainda uma homenagem póstuma ao físico, educador e ex-presidente da SBPC, Enio Candotti, falecido em dezembro de 2023, com leitura de sua biografia pelo físico Ildeu Moreira.
Palco de debates sobre os rumos das políticas públicas em C,T&I
Na segunda-feira, 8 de julho, data em que a SBPC completou 76 anos desde sua criação, a ministra Luciana Santos apresentou, em conferência no Centro de Eventos Benedito Nunes, na UFPA, um investimento de R$ 500 milhões em programas destinados à região amazônica. Os recursos, provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que teve recomposição orçamentária em 2023, serão destinados aos programas Pró-Amazônia e Segurança Alimentar e Erradicação da Fome. “O Pró-Amazônia receberá R$ 160 milhões para apoiar a infraestrutura de pesquisa científica e tecnológica, destinados à recuperação, atualização e criação de laboratórios, acervos científicos, históricos e culturais, além de coleções biológicas, incluindo as do INPA, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia”, detalhou.
Na manhã de terça-feira, 9 de julho, foi a vez da conferência da ministra da Saúde, Nísia Trindade. Ela anunciou investimentos da ordem de R$ 443 milhões em 2024 para o financiamento de pesquisas científicas, visando a redução das vulnerabilidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Serão 10 chamadas públicas, dentre elas a 8ª edição do Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS); Genômica e Saúde de Precisão Doenças Determinadas Socialmente (DDS); Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANT); Pesquisas Pré-Clínicas e Clínica para o SUS; Prevenção e Enfrentamento à Desinformação; Apoio a Eventos Técnico-Científico em Saúde e a Avaliação de Políticas, Programas, Projetos em Saúde Sínteses de Evidências Pesquisa de Vigilância em Saúde (HIV e Aids, tuberculose).
À tarde, os resultados de uma parceria bem-sucedida entre a FAPERJ e o Instituto Serrapilheira foram apresentados, na mesa “Financiamento de pesquisa: uma mostra de ação sustentável e inclusiva”. Em 2022, as instituições lançaram uma chamada pública exclusiva para pesquisadores na área de Ecologia negros e indígenas. Mediada por Jerson Lima, a mesa teve como palestrantes o gestor de Ciência, Michel Chagas; e os pesquisadores contemplados pela chamada Keltony Aquino e Thamyres Sabrina Gonçalves, que compartilharam suas trajetórias pessoais de superação social e falaram sobre os desafios para a inclusão racial e equidade de gênero no meio acadêmico e na pesquisa.
Geógrafa e pós-doutoranda no Laboratório de Arqueobotânica e Paisagem do Museu Nacional/UFRJ, a mineira do Vale do Jequitinhonha Thamyres colocou uma questão: “Qual o lugar que a mulher negra ocupa na ciência? Na minha tese de Doutorado, tinha umas 50 páginas de referências e nenhuma era uma mulher negra. As poucas mulheres citadas eram brancas, e a maioria eram homens estrangeiros”. Aquino, que cursa o pós-doutorado na área de Ecologia e Recursos Naturais na Universidade Federal Fluminense (UFF), também dividiu o mesmo sentimento de falta de representatividade. “Tive só uma professora negra em toda a minha graduação em Biologia”, disse.
O presidente da FAPERJ, Jerson Lima (à dir.), foi o mediador da mesa 'Financiamento de Pesquisa: uma mostra de ação sustentável e inclusiva', que contou com os palestrantes Michel Chagas, do Instituto Serrapilheira; Thamyres Sabrina Gonçalves, do MN/UFRJ; e Keltony de Aquino, da UFF (Foto: Divulgação) |
O presidente da Fundação pontuou que essa chamada conjunta com o Serrapilheira, pensada especialmente para pesquisadores negros e indígenas com doutorado que ainda não têm vínculo empregatício com instituições, recebeu mais de 120 submissões de projetos. Foram 12 selecionados, contemplados com bolsa de R$ 8 mil por três anos, além de receberem recursos para aplicar em seus projetos de pesquisa (R$ 700 mil oriundos da FAPERJ e R$ 100 mil do Serrapilheira). “É fundamental pensarmos na empregabilidade dos jovens com doutorado e também em políticas de fomento voltadas para a diversidade”, afirmou Lima. Por sua vez, Chagas apresentou dados sobre as políticas em prol da diversidade do Serrapilheira. “Entre 2017 e 2024, a porcentagem de pessoas negras selecionadas em nossas chamadas públicas subiu de 12% para 48%”, acrescentou.
Na manhã de quarta-feira, 10 de julho, Lima foi mediador da conferência “A revolução da criomicroscopia eletrônica”, apresentada pelo professor e pesquisador Guilherme Augusto de Oliveira, do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ. Eles discutiram os avanços da técnica de criomicroscopia eletrônica, que utiliza temperaturas criogênicas, baixíssimas, para congelar estruturas biológicas, como moléculas e proteínas que podem ajudar a decifrar terapias para doenças neurodegenerativas e câncer, e assim poder visualizá-las com alta resolução. De 2013 a 2016, Oliveira foi bolsista do programa Pós-Doutorado Nota 10 da FAPERJ, sob a supervisão de Lima, que é professor titular do IBqM.
Fechando os trabalhos, à tarde, a conferência “Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia” discutiu o papel das fundações estaduais de fomento à pesquisa diante da atuação das agências nacionais de financiamento. Lima esteve na mesa de debates, ao lado do presidente do Confap, Odir Dellagostin, e do presidente do Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (Fortec), Gesil Amarante. A mediação foi de Francilene Garcia, da SBPC. Entre os diversos pontos discutidos, Dellagostin reforçou a importância do sistema estadual de fomento à pesquisa. “Os investimentos das FAPs, em 2023, somados, alcançam a marca de quase R$ 4 bilhões”, disse.
Lima reconheceu a importância da realização do debate como uma oportunidade para articular questões a serem levadas à 5ª Conferência Nacional de C,T&I, que será realizada de 31 de julho a 1º de agosto, em Brasília. Ele refletiu sobre o tema da 76ª Reunião Anual da SBPC. “A inclusão e a sustentabilidade são pontos que devem nortear as políticas públicas, e a FAPERJ vem trabalhando essas questões em seus editais, para reduzir as desigualdades regionais no estado do Rio de Janeiro e as desigualdades étnicas e de gênero. Como exemplo, cito os editais Cientistas Mães, o Meninas e Mulheres na Ciência e a criação da Comissão de Equidade, Diversidade e Inclusão na Fundação”, concluiu.
Confira a transmissão simultânea das mesas de debates da 76ª Reunião Anual da SBPC em: https://www.youtube.com/canalsbpc
Para mais informações, acesse: https://ra.sbpcnet.org.br/76RA/