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Publicado em: 08/08/2024 | Atualizado em: 08/08/2024

Segunda escravidão e racismo científico são temas de projetos de JCNE da Faperj

Paula Guatimosim

No portal, em constante atualização, os intelectuais negros pesquisados são identificados por fotos, que ao serem clicadas abrem texto sobre o autor

Dar visibilidade aos intelectuais negros nascidos no século XIX que viveram os legados do fim da escravidão e analisaram o passado escravista de suas respectivas sociedades. Este foi o objetivo do primeiro projeto de Ynaê Lopes como Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE), da FAPERJ. Para tanto, a professora de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e ativista antirracismo estudou três dos estudiosos pioneiros do tema: o norte-americano William Edward Burghardt, ou "W. E. B." Du Bois, como é mais conhecido, nos Estados Unidos; o cubano Lino Dou Allión e o brasileiro Manuel Querino.

A pesquisa de Ynaê se debruça sobre importantes trabalhos que analisam o protagonismo negro nas Américas e busca entender como esses três intelectuais, que viveram e produziram nos primeiros anos pós-abolição, elaboraram interpretações sobre a questão racial, distintas daquelas que circularam nos principais meios acadêmicos das sociedades de que faziam parte. Segundo Ynaê, as trajetórias desses três autores foram “marcadas pela produção intelectual num momento no qual a intelectualidade americana se deparava com os debates sobre raça, eugenia e identidade nacional”.

"Brasil e Cuba foram os últimos países da América a abolirem a escravidão, décadas após a primeira onda abolicionista no mundo. E por diferentes razões, junto com os Estados Unidos, conseguiram adequar a escravidão à expansão capitalista, chamada por alguns estudiosos de Segunda Escravidão, que perpetuou o trabalho forçado e a mais valia nas plantações de algodão nos Estados Unidos e nas lavouras de café e cana-de-açúcar no Brasil e em Cuba", explica a pesquisadora.

A pesquisa partiu das análises das teorias antirracistas de intelectuais pioneiros no tema, como o brasileiro Manuel Querino (esq.) e o norte-americano Du Bois (Fotos: Reprodução)

Nascido na Bahia em 1851, quando a escravidão ainda vigorava no País, Manuel Querino foi um homem negro que se destacou no meio intelectual de seu tempo como pintor, escritor, sindicalista, líder abolicionista, político e um dos primeiros a realizar registros etnográficos sobre as culturas africanas na Bahia. Sua obra – que ainda não recebeu a devida análise nas ciências sociais brasileira – pode ser entendida como uma espécie de “voz dissonante”, especialmente no que diz respeito aos significados atribuídos à herança africana no Brasil.

Ynaê ressalta que apesar de poucos homens negros terem conseguido conquistar espaço em meio à intelectualidade brasileira entre fins do século XIX e os primeiros anos do século XX, é fundamental pontuar que Querino teve pares em outras localidades nas Américas. Nesse cenário destaca-se W.E.B Du Bois, um dos intelectuais negros mais conhecidos e influentes de seu tempo. Autor de inúmeras obras que analisaram a questão racial nas Américas, Du Bois foi também um importante ativista contra o racismo e na luta antissegregacionista nos Estados Unidos, tendo sido o responsável pela criação do National Association for the Advancement of Colored People (NAACP) e um dos principais articuladores do movimento Pan-Africanista no mundo. Já a obra de Lino Dou, cubano nascido em Santiago de Cuba em 1871, teve um papel importante na independência cubana (1898) e na luta contra o racismo que marcou as primeiras décadas da experiência republicana de Cuba no começo do século XIX.

A maternidade e a mudança de planos

O que Ynaê não previa em meio a sua pesquisa, que coincidiu com a entrada como docente na Universidade Federal Fluminense (UFF), em 2019, era engravidar do segundo filho (ela tem um casal de 5 e 7 anos) e, após seu nascimento, enfrentar as restrições impostas pela pandemia de Covid-19. Como o seu estudo previa trabalho em campo, incluindo as viagens internacionais aos EUA e Cuba, Ynaê precisou, assim como outros tantos pesquisadores, mudar sua proposta. Optou por estudar mais intensamente as trajetórias de Lino Dou e Manuel Querino, dialogando com a robusta produção já existente sobre o sociólogo Du Bois, o primeiro homem negro a receber um Ph.D. da Universidade Harvard, autor de mais de 20 livros em defesa da justiça social.

Ynaê Lopes: durante a pesquisa, um novo trabalho, a segunda gravidez e a pandemia de Covid-19 mudaram os rumos do trabalho

Com o fim da pandemia, em 2022, a historiadora conseguiu finalmente viajar a Cuba e fazer um levantamento mais completo da obra de Lino Dou. Seu primeiro artigo como JCNE foi justamente comparando as posições do cubano Lino Dou com o brasileiro Querino. Devido ao fato de as restrições impostas pela pandemia ainda poderem se perpetuar, a pesquisadora optou pelo lançamento de um site, produto mais adequado àquele momento. A partir da comparação entre as abordagens dos autores, ela criou o site https://www.historia.uff.br/intelectuaisnegros/, em constante atualização, que congrega mais de 30 nomes de autores antirracistas que atuaram no século XIX (até 1930). Posteriormente, Ynaê lançou também a conta no Instagram @nossos_passos_vem_de_ longe, que conta com 18 mil seguidores; e paralelamente produziu o curta-metragem "Intelectuais Negros nas Américas", dirigido a alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, contando as histórias atreladas aos dois intelectuais. A ideia desse minidocumentário veio das conversas com alunos do ensino médio da rede estadual do Rio de Janeiro, que não conheciam nem Querino, nem Lino Dou, nem Du Bois.

O desdobramento da pesquisa

Contemplada em 2022 com uma nova bolsa da FAPERJ, desta vez de Cientista do Nosso Estado,  Ynaê ampliou sua pesquisa com um novo projeto, intitulado “Razão Negra nas Américas. Intelectuais Negros e teorias antirracistas no Brasil, Cuba e Haiti (1885- 1930)”, que tem como foco o racismo científico.  Neste projeto, a pesquisadora incluiu o jornalista cubano Juan Gualberto Gómez, o intelectual haitiano Joseph-Antenor Firmin e o brasileiro Juliano Moreira. Todos esses autores rechaçaram as teorias de degenerescência racial elaboradas pelos maiores expoentes do racismo científico, como elaboraram análises e teorias antirracistas em diferentes áreas do conhecimento.

O jornalista revolucionário Juan Gualberto Goméz foi um dos mais importantes nomes na abolição da escravidão cubana (1886), bem como na luta pela Independência (1898). No século XX, sua principal pauta era a inserção equânime da população negra na republica cubana, questão que norteou as últimas décadas de sua vida, numa Cuba marcada pelo racismo estrutural, que chegou a níveis elevadíssimos de violência, como bem demonstra o massacre dos integrantes do Partido Independente de Color em 1912 pelo exército cubano. Mais de 1000 pessoas (negras) foram assassinadas.

O médico brasileiro Juliano Moreira (esq.), o cubano Juan Gualberto Goméz e o haitiano Anténor Firmin foram foco da segunda fase da pesquisa, apoiada por bolsa CNE da FAPERJ (Fotos: Reprodução)

O antropólogo haitiano, jornalista e político Anténor Firmin é conhecido por seu livro “De l'égalité des races humaines”, ou “A igualdade das raças humanas”, em português. Seu livro publicado em 1885, marcou sua posição contrária ao aristocrata, diplomata e filósofo francês Arthur de Gobineau, autor do livro “Essai sur l'inégalité des races humaines”, ou em português “Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas” (1855), que defendia a teoria de supostas diferenças entre as raças humanas e autor do mito ariano.

Já o médico brasileiro Juliano Moreira, além de ter revolucionado o tratamento psiquiátrico no Brasil, com o fim do aprisionamento de pacientes, defendeu a ideia de que a origem das doenças mentais se devia a fatores físicos e situacionais, contrariando as teorias racistas no meio acadêmico, que atribuíam os problemas psicológicos da população brasileira à miscigenação. Juliano Moreira foi um dos intelectuais brasileiros mais importantes e respeitados na Primeira República e foi um dos primeiros a criticar a teoria da existência de raças humanas do ponto de vista biológico.

Deste modo, a pesquisadora busca, no rastro de suas origens, examinar de forma conectada e comparada, como intelectuais negros que tiveram reconhecimento em vida, elaboraram suas teorias antirracistas, e em que medida tais teorias também foram fruto de diálogos e debates transnacionais, pensando na existência de possíveis intercâmbios de ideias entre os intelectuais negros estudados.

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