Marina Verjovsky
Neurônios de hipocampo de camundongos cultivados em meio controle (à esq.) e com LASSBio-1911. Os pontos verdes, vermelhos e amarelos mostram sinapses formadas entre essas células |
Uma substância, desenvolvida por pesquisadores brasileiros, mostrou ser uma grande promessa em proteger o cérebro de camundongos contra a doença de Alzheimer, inclusive restaurando funções cognitivas de animais acometidos. Os resultados da pesquisa, coordenada pela neurocientista Flávia Gomes, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ICB-UFRJ), foram publicados no British Journal of Pharmacology.
A molécula, chamada de LASSBio-1911, pertence a uma classe de medicamentos antitumorais, conhecida como inibidores das enzimas histonas desacetilases (iHDAC). Esses compostos têm sido, recentemente, apontados como potenciais tratamentos para doenças neurodegenerativas. A molécula LASSBio-1911 foi planejada, sintetizada e caracterizada pelo grupo liderado pelo saudoso professor Carlos Alberto Manssour Fraga, também do ICB-UFRJ. Manssour, falecido em 8 de maio, foi um dos maiores especialistas em Química de Fármacos no Brasil.
A equipe de Flávia Gomes observou que essa molécula age num tipo específico de células cerebrais, os astrócitos. Eles dão suporte e nutrição aos neurônios e são essenciais para o funcionamento do sistema nervoso. No envelhecimento e em demências, os astrócitos perdem, gradualmente, suas funções, contribuindo para sinais de senilidade. No caso do Alzheimer, são fortemente afetados, agravando os sintomas da doença.
Resultados promissores
Em camundongos, modelos experimentais da doença de Alzheimer, a molécula conseguiu reverter a perda cognitiva, melhorando o desempenho dos animais em testes comportamentais. Os pesquisadores perceberam que isso aconteceu graças à atuação direta da molécula nos astrócitos, que recuperaram suas funções e permitiram até aumentar o número de sinapses (conexões) entre os neurônios, tanto em cultura, quanto no cérebro dos camundongos.
"Uma importante contribuição desse trabalho foi demonstrar que os astrócitos podem ser novos alvos farmacológicos para doenças neurodegenerativas", explica Flávia Gomes. "Nosso desafio agora é conseguir modular a função dos astrócitos durante o envelhecimento, impedindo os déficits cognitivos associados ao envelhecimento e doenças associadas".
A partir da esq., Ana Paula Araújo, bolsista do Ministério da Saúde (Decit), a coordenadora da pesquisa Flávia Gomes, professora do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, e Luan Diniz, professor adjunto no mesmo instituto (foto de acervo pessoal) |
Abordagem pioneira
Há mais de duas décadas, o grupo de Flávia estuda o papel das células gliais, especificamente dos astrócitos, no funcionamento do sistema nervoso e no desenvolvimento de doenças neuro-inflamatórias e degenerativas. Nos últimos seis anos, seu grupo tem testado a molécula LASSBio-1911 com resultados promissores. O trabalho fez parte da Dissertação de Mestrado da aluna do Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfológicas da UFRJ, Juliana Morgado, bolsista FAPERJ nota 10.
"Cada vez mais, observamos uma busca crescente por novos métodos de diagnóstico e tratamento da doença de Alzheimer. Muitos desses estudos têm focado na avaliação de alvos neuronais", complementa Luan Diniz, professor do ICB-UFRJ, Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ e primeiro autor do artigo, em parceria com Juliana Morgado e Ana Paula Araujo (bolsista do Ministério da Saúde). "Nosso grupo foi pioneiro ao demonstrar que a doença de Alzheimer não é exclusivamente uma doença neuronal, mas também uma doença glial".
Os próximos passos incluem testar o efeito terapêutico de outros compostos semelhantes, com estruturas otimizadas. Flávia Gomes busca observar se eles serão capazes de agir também em animais idosos saudáveis, evitando ou revertendo os déficits cognitivos naturais causados pelo envelhecimento.
Apoios e colaborações
A pesquisadora ressalta que a integração entre grupos de pesquisa de Neurociências, Farmácia e Química Medicinal foi essencial para o desenvolvimento deste estudo, que faz parte dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia de Neurociência Translacional (INCT-INNT) e de Fármacos e Medicamentos (INCT-INOFAR). Além de pesquisadores do ICB, participaram das investigações, pesquisadores da Faculdade de Farmácia e do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, todos da UFRJ. Além dos apoios da FAPERJ, o estudo também recebeu recursos do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).