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Publicado em: 31/10/2024 | Atualizado em: 31/10/2024

Estudo na Uerj avalia a relação entre o consumo de cigarros eletrônicos e a esquizofrenia

Débora Motta

Consumo de dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como vapes ou pods, aumenta entre os jovens, apesar de proibido no Brasil (Foto: Freepik)

A comercialização, importação e propaganda de todos os tipos de Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) são proibidas no Brasil desde 2009. Ainda assim, os cigarros eletrônicos – também conhecidos como vapes ou pods – despertam a curiosidade e atraem novos consumidores, especialmente os jovens. Um estudo desenvolvido na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) investiga a relação entre o consumo de cigarros eletrônicos na adolescência e sua associação com a esquizofrenia, a partir de testes em modelo animal (camundongos). A pesquisa é coordenada pela bióloga e professora Yael de Abreu Villaça, que desenvolve seus estudos com apoio da FAPERJ, pelo programa Cientista do Nosso Estado, no Laboratório de Neurofisiologia, localizado no Departamento de Ciências Fisiológicas, no prédio do Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes (Ibrag/Uerj), campus Maracanã.

“Um dado me chamou a atenção para eu dar início a essa linha de estudo. Entre os pacientes com esquizofrenia no mundo, sabe-se que de 60 a 80% apresentam dependência à nicotina, segundo a literatura médica. Porém, a ciência ainda não desvendou os mecanismos neuroquímicos que justifiquem a relação entre as duas doenças, a dependência à nicotina e a esquizofrenia, e nem explicou as alterações que elas causam no sistema nervoso central”, contou Yael. Ela começou a pesquisar sobre a associação entre a nicotina e a esquizofrenia há uns seis anos. Este novo estudo, que investiga a relação entre o consumo de cigarros eletrônicos e a esquizofrenia, amplia essa linha. “Sempre gostei de investigar efeitos da associação entre drogas e entre doenças no organismo. Tenho outros estudos, sobre a associação entre álcool e nicotina, para entender porque muitas pessoas bebem e fumam”, completou.

A partir da esq., a equipe no Laboratório de Neurofisiologia da Uerj: Ana Carolina Dutra-Tavares; Fernanda Uchoa; a coordenadora do estudo, Yael Abreu-Villaça; Alex Manhães; Gabriel Souza e Camila Kirschner (Foto: Divulgação)

Nos testes que simulam o uso dos cigarros eletrônicos, um equipamento – adquirido em parceria com a Howard University, de Washington (EUA) – emite o vapor da nicotina para os camundongos, alojados dentro de uma câmara. Dois grupos são expostos ao vapor que contém nicotina: o grupo de camundongos saudáveis e aqueles com sintomas semelhantes aos da esquizofrenia, induzidos a partir do uso de fenciclidina, droga que produz efeitos alucinógenos. “A fenciclidina inibe o receptor NMDA (N-metil D-Aspartato) do sistema glutamatérgico, o que causa sintomas típicos da esquizofrenia, como redução da capacidade de memória e aprendizado, e da sociabilidade, além de alterações na atividade dos camundongos”, detalhou.

A pesquisadora afirma que tanto a esquizofrenia como a nicotina têm algo em comum: elas causam alterações nas mesmas regiões do cérebro, que compõem a via mesolímbica, relacionada ao caminho da dopamina no órgão. “A via dopaminérgica é responsável pelas respostas de recompensa, de prazer, que fazem com que a pessoa repita determinado comportamento novamente. Esse tipo de resposta cerebral fica desregulada tanto no caso do uso de drogas quanto no caso dos pacientes com esquizofrenia”, explicou. “Observamos que outra via, a mesocortical, também relacionada aos mecanismos de cognição e sociabilidade, fica desregulada tanto em pessoas com dependência de drogas e nicotina como naquelas com esquizofrenia”, completou.

Yael fala sobre as diferenças entre o cigarro eletrônico e o cigarro de tabaco convencional. “O cigarro eletrônico normalmente é consumido de forma continuada, já que pode durar várias horas, diferente do cigarro comum, que acaba em alguns minutos e força a pessoa a acender outro. Seu princípio ativo mais comum é a nicotina, mas ele também contém flavorizantes, como o mentol, e diversas opções de sabores, o que o torna atrativo entre os mais jovens”, observou. Ela ressaltou ainda que o cigarro eletrônico não é aprovado em nenhum país como forma de tratamento para a pessoa parar de fumar o convencional. “Pelo fato do cigarro eletrônico conter substâncias tóxicas, além de causar dependência, ele não é recomendado como alternativa ao cigarro convencional. Há vários medicamentos e tratamentos para ajudar a parar de fumar, como gomas de mascar que contêm nicotina, antidepressivos e adesivos de nicotina”, concluiu.

Simulação do consumo de cigarro eletrônico em modelo animal, com vapor de nicotina: estudo observou que as mesmas regiões do cérebro sofrem alterações, seja nos animais expostos à nicotina ou em camundongos com sintomas de esquizofrenia  

O estudo já resultou na publicação de quatro artigos. Dentre os mais recentes, um deles foi publicado no periódico científico International Journal of Molecular Sciences, intitulado Nicotine Exposure in a Phencyclidine-Induced Mice Model of Schizophrenia: Sex-Selective Medial Prefrontal Cortex Protein Markers of the Combined Insults in Adolescent Mice (https://www.mdpi.com/1422-0067/24/19/14634). Outro artigo sobre a pesquisa desenvolvida na Uerj foi publicado na Brain Sciences, com o título Nicotine’s effects on Schizophrenia-like symptoms in a mice model: time matters (https://www.mdpi.com/2076-3425/14/9/855).

Participam ainda da pesquisa o pesquisador e professor Alex C. Manhães, do Laboratório de Neurofisiologia, localizado no Departamento de Ciências Biológicas do Ibrag/Uerj, também contemplado pelo programa Cientista do Nosso Estado, da Fundação, a pesquisadora e professora Ana Carolina Dutra-Tavares, o bolsista do Programa de Apoio à Fixação de Jovens Doutores no Brasil, da FAPERJ, Vitor Hugo S. Duarte Pinheiro; e os alunos de pós-graduação Fernanda Uchoa (doutoranda), Camila Kirschner (doutoranda) e Gabriel S. M. de Souza (mestrando).

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