Paula Guatimosim
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À esq., o assessor da Diretoria de Tecnologia, Marcelo Corenza, que mediou no palco Future a mesa “Ciência, Tecnologia e Inovação no apoio a negócios de impacto social em comunidades contempladas no Favela Inteligente" (Foto: Flávia Machado) |
No primeiro dia do Rio Innovation Week, terça-feira, dia 12 de agosto, no palco Future, localizado no Armazém Kobra, o assessor da Diretoria de Tecnologia da FAPERJ, Marcelo Corenza, mediou a mesa “Ciência, Tecnologia e Inovação no apoio a negócios de impacto social em comunidades contempladas no Favela Inteligente”. Ele apresentou os três integrantes da mesa como pessoas que deram início a projetos sociais voltados para a comunidade e que hoje são considerados negócios de impacto social. O primeiro a falar foi o coordenador do projeto PISTA (Parque de Inovação Social Tecnológico Ambiental), André Matheus. Ele traçou um panorama do projeto, que começou a ser gestado em março de 2020 e chegou a 2024 com 24 projetos contemplados pela FAPERJ. Em 2024, o projeto também passou a ser apoiado pelo PNUD, ganhando chancela internacional e alinhando suas metas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), como a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais. Segundo André Matheus, em breve o PISTA será expandido para as comunidades da Maré, Alemão, Cidade de Deus e Petrópolis. “As mudanças climáticas afetam mais a população pobre”, lembrou.
O coordenador do PISTA explicou que o projeto é um parque aberto a vários parceiros e projetos e adaptado conforme as realidades distintas de cada território. Segundo Matheus, no atual momento estão sendo determinados indicadores de desempenho para avaliação e eventual suporte e redirecionamento dos projetos. O objetivo é a criação de um manual de procedimentos para que o modelo possa ser replicado em todo o território nacional. Marcelo Corenza concordou que essa coleta e tabulação de dados são fundamentais para corrigir erros e direcionar os projetos.
Exemplo bem-sucedido de projeto de impacto social, o “Carteiro Amigo” nasceu de uma iniciativa familiar. Carlos Pedro da Silva Jr., o Pedrinho, CEO da empresa, contou que, no ano 2000, seus pais e um tio eram recenseadores do IBGE e sentiram a dificuldade dos moradores da comunidade da Rocinha por não terem um endereço. À época, fizeram uma consulta a pouco mais de 4 mil moradores da comunidade e a maioria apoiou a cobrança de uma pequena taxa para que o grupo colocasse em prática o Carteiro Amigo. O negócio começou com grupos de moradores que conheciam a comunidade, fazendo a entrega das correspondências. Pedrinho passou a integrar a equipe em 2017 e, em 2021, com o apoio da FAPERJ, deu início à segunda etapa do projeto. Com um novo sócio e as novas demandas surgidas na pandemia, como o e-commerce, expandiu suas atividades para outras seis comunidades e bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro, além de estabelecer parcerias com grandes redes de varejo. Hoje, o Carteiro Amigo fatura mais de R$ 500 mil ao mês, possui mais de 1.200 assinantes e atende mais de 15 mil pessoas. Para Pedrinho, as empresas de impacto social não precisam ser ONGs, precisam é ter lucro, remunerar bem seus colaboradores. “Tem grana por aí. Os empreendedores só precisam saber onde ela está, como acessar e serem acompanhados para gastarem os recursos corretamente”, disse ele, que soube dos editais da FAPERJ por meio de outro projeto na comunidade.
Outro case de sucesso é o projeto combinado “Óleo no Ponto e Sabão do Morro”, idealizado por outra liderança da Rocinha: Marcelo Santos, o Marcelinho. “Nosso trabalho é levar boas práticas para a comunidade e promover a conscientização ambiental na Rocinha”, disse. Tudo começa com a coleta do óleo de cozinha usado nas residências e estabelecimentos comerciais, que atualmente chega a 1.200 litros por mês, o equivalente à preservação de um milhão de litros de água, que deixaram de receber esse resíduo. Isso porque um litro de óleo de cozinha despejado na rede de esgoto é capaz de contaminar 25 mil litros de água. Na outra ponta, mulheres são capacitadas para transformarem esse óleo em detergente, sabão em pasta e em barra, lava roupas e até limpador multiuso, tendo assim uma atividade que muitas vezes promovem, além de uma renda, o empoderamento. Segundo Marcelinho, a Universidade Federal Fluminense (UFF) acaba de desenvolver uma cepa de microorganismos que serão adicionados aos produtos de limpeza para ajudarem na limpeza dos dutos e esgotos. Alinhado aos ODS 6 – água potável e saneamento – o projeto estabeleceu parcerias com restaurantes de redes de hotéis, quando a coleta chegou a atingir 1.800 litros de óleo de cozinha ao mês. Marcelinho comemora o resultado positivo de 2024, quando deixaram de ser descartados na natureza 40 mil litros de óleo usado. “Nosso modelo é replicável e escalonável”, afirma o empreendedor, que conta com recursos da FAPERJ desde o início do seu projeto.
Tecnologia adotada para melhorar a performance dos atletas
No segundo dia do RIW, quarta-feira, dia 13 de agosto, o palco Future recebeu a mesa “Performance com precisão: o futuro do esporte é digital”, que reuniu treinadores e uma atleta de alta performance para mostrar como a tecnologia vem revolucionando a forma como os atletas treinam e competem. Luciana Lopes, assessora da Diretoria Científica da FAPERJ, conduziu a mesa, a partir da pergunta: “Qual a diferença entre o pódio e o 4º lugar?”. Vander Luna, CEO do Grupo Kovalent, apresentou os diversos equipamentos de point-of-care produzidos pela empresa, que, por meio da análise metabólica, auxiliam treinadores e toda a equipe multidisciplinar que acompanha atletas na tomada de decisão e direcionamento da performance e prevenção de lesão nos atletas. Com uma simples punção digital, uma gota de sangue, é possível ter o resultado do hemograma completo em 4,5 minutos. Os equipamentos aferem ainda, entre outros, a glicose, o perfil lipídico e o nível de hidratação do atleta, esta última, em segundos, a partir da coleta de saliva, que foi demonstrada posteriormente no estande da FAPERJ entre o público presente. Vander explicou que a tecnologia vem sendo utilizada por dezenas de clubes de futebol do Brasil e exterior.
Em seguida, Rodrigo Abdala, da Farmácia Analítica da UFRJ, que vem utilizando as tecnologias em atletas de alto rendimento desde 2022, no Clube Regatas do Flamengo, ressaltou a necessidade dos equipamentos para ajudar na avaliação dos atletas, principalmente em função da quantidade de jogos a que os times vem sendo submetidos nos diversos campeonatos. Ele lembra que o Flamengo, por exemplo, entrou em campo 11 vezes em 33 dias, uma média de um jogo a cada três dias. “Mais do que prevenir lesões, a tecnologia nos ajuda a avaliar se o atleta está apto a desenvolver sua função em campo”, explicou. Pedro José Falci Alves, doutor e colaborador em Ciências do Exercício e do Esporte na Uerj, trabalha com a resposta imunológica dos atletas após o exercício, o chamado recovery. Segundo ele, hidratação, sono e alimentação são recoveries obrigatórios, mas outras tecnologias podem auxiliar na recuperação de lesões. No Fluminense, por exemplo, uma das tecnologias utilizadas é o laser, que pode compor botas e mantas para serem aplicadas em diversas partes do corpo do atleta, como joelho, coxa, lombar etc, a fim de reduzir inflamações.
Já o professor e pesquisador da Faetec, Wallace Morgado, que treina atletas da natação, apresentou seu “case de sucesso”: a nadadora máster Debora Jaconi, de 66 anos, que ainda compete e venceu o mundial de Doha em 2024. Nesse caso, não são apenas os equipamentos que auxiliam no treinamento. A própria Internet é uma aliada, já que a atleta mora em Santa Catarina e ele conduz os treinos online, adaptados e dosados à idade da nadadora, recomendando, inclusive, a aplicação de laser em lesões. Em seguida, a nadadora Ingrid Tardit, farmacêutica do Esporte e Esteta, falou de sua trajetória, ressaltando que “esporte é vida”. Ela contou que começou a nadar com apenas três anos, para curar uma bronquite, mas, hoje, como nadadora máster, precisa conciliar suas outras atividades de trabalho com os treinos de natação. Em sua opinião, a tecnologia, auxiliada pela suplementação, ajuda o atleta a bater suas metas. Ela lembrou que, em 2014, caiu de uma altura de três metros e sua recuperação foi bem mais rápida do que a previsão médica devido à qualidade de sua constituição física e estrutura corporal. “Precisamos ter músculos fortes. Musculação e respiração é o que nos dá mobilidade”, recomendou. Finalizando, Luciana Alves respondeu a pergunta inicial: “A diferença entre o pódio e o 4º lugar está nos detalhes”.
Como a Inteligência Artificial vem afetando os Direitos Autorais
No terceiro dia do RIW, o palco Future sediou a mesa “Entre algoritmos e autoria: a revolução da IA no campos dos direitos autorais”, abordando como a Inteligência Artificial (IA) afeta os Direitos Autorais. Mediada pela assessora da Diretoria de Tecnologia da FAPERJ, Renata Angeli, a mesa contou com a participação de Allan Rocha de Souza, pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais (IBD Autoral), e de Luca Schirru, diretor executivo do IBD Autoral.
Allan Rocha abriu a discussão lembrando que o tema da palestra já faz parte do nosso dia a dia, mas precisa ser melhor explicado. Para ele, a Inteligência Artificial (IA) mudou permanentemente o conceito de criação, de autoria e de obra, seja na esfera literária, artística ou científica. “Quando se muda o significado da palavra criar, a IA muda todo o resto, especialmente o vínculo e a exploração econômica da obra e do autor", afirmou. Num passeio histórico, ele lembrou que a tecnologia sempre foi aliada da criação, desde o aparecimento da prensa, que revolucionou o mercado editorial com a publicação de livros, seguida pelos softwares até chegar à era digital, com o streaming no audiovisual e a nuvem no mercado de livros. Allan Rocha ressaltou que a tecnologia hoje faz com que autores e artistas percam grande parte da remuneração pelos seus trabalhos, ficando nas mãos dos “intermediários”, ou seja, as plataformas que oferecem as obras. “A tecnologia hoje serve para legitimar os poderes dos intermediários”, afirmou. Em sua opinião, a IA é uma nova onda que afeta o conceito de criar, pois basta escolher um tema e um instrumento tecnológico de busca que reproduza a ideia inicial. “Os dados da obra não são mais protegidos pelo Direito Autoral. O corte tem sido na forma de acesso a ela”, explicou.
Para Luca Schirru, estamos na era da interação entre o humano e a máquina. “Precisamos entender como funciona o aprendizado de máquina para conhecer os usos que possam ser gatilhos de violação dos Direitos Autorais”, alegou. Para ele, o Brasil é um dos países mais restritivos na área dos Direitos Autoriais, especialmente quando o assunto é pesquisa. “Nos países mais ricos a legislação é mais aberta quando o assunto é para fins de pesquisa. Não por acaso, eles estão no topo do Índice Global de Inovação”. Ele lembra que a mineração de dados é fundamental para o aprendizado de máquina, para o treinamento da IA, e por isso devemos tratar desse tema tecnicamente para não prejudicar a pesquisa. Para ele, a legislação deve dar garantia de remuneração ao autor como beneficiário. Ele lembrou que a IA já começa a afetar o tráfego na fonte original da informação, como é o caso da Wikipédia, por exemplo, já que as buscas por temas vêm resultando em respostas geradas pela IA. E finalizou: “Os mecanismos do Direito Autoral não estão preparados para enfrentar essa realidade”.
A nanotecnologia como aliada na proteção do mundo conectado
A responsável pelo Laboratório de Misturas Poliméricas e Compósitos Condutores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora Bluma Guenther Soares, apresentou o tema “Barreiras invisíveis: como a nanotecnologia pode proteger o mundo conectado”. Segundo Bluma, no cenário onde as pessoas utilizam diariamente diversos dispositivos (como celulares e computadores) para se conectarem, as ondas eletromagnéticas podem interferir diretamente na saúde da população, causando dores de cabeça, insônia e estresse, entre outros sintomas, além de interferirem em marcapassos, por exemplo. Uma interferência chamada de “poluição invisível”.
Em seu laboratório, a pesquisadora se dedica ao desenvolvimento de materiais que garantam maior segurança contra as ondas eletromagnéticas presentes no mundo conectado. Bluma explicou que essas pequenas partículas nanométricas já são componentes dos diversos aparelhos de conexão, usadas desde a fabricação dos componentes até o desenvolvimento de novas funcionalidades e tecnologias. Por possuírem uma área maior, são mais eficientes e possuem propriedades de alta condutividade, os supercondutores. O que a pesquisadora vem desenvolvendo são materiais que possam dar segurança ao usuário. Para ela, agora é hora de buscar a proteção. Os pesquisadores vem utilizando nanocompósitos poliméricos, que são de fácil preparação, em especial os biodegradáveis, associados a outros materiais como carbono, grafeno, magnetita e outros materiais híbridos para testar suas capacidades de absorvidade das ondas eletromagnéticas, emitidas por satélites, micro-ondas e os mais variados aparelhos de comunicação. Segundo a pesquisadora, os resultados têm sido animadores, chegando a 99,9% em algumas composições. “Nosso objetivo é proteger os usuários das ondas em ampla faixa de frequência”, afirmou Bluma.
Por mais mulheres na Ciência: ações da FAPERJ na promoção da equidade de gênero
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A partir da esq., Helena Carla, do Instituto da Biologia da UFF; a neurocientista Leticia Oliveira, presidente da Comissão de Equidade, Diversidade e Inclusão da FAPERJ; e Lilian Sousa, da UFRJ, uma das contempladas no Programa de Apoio às Cientistas Mães (Foto: Paula Guatimosim) |
A neurocientista “engajada” – atributo que ela acrescenta ao lado do seu nome nas redes sociais – Leticia Oliveira, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e presidente da Comissão de Equidade, Diversidade e Inclusão da FAPERJ mediou, na sexta-feira, dia 15 de agosto, a mesa que abordou o tema “mães cientistas”, com as convidadas Helena Carla e Lilian Sousa. Segundo ela, ainda hoje é baixa a representação das mulheres na Ciência, principalmente nos postos mais altos e especialmente nas Ciências Exatas e Tecnológicas. “Apesar de as mulheres serem maioria na graduação no Brasil, com o avanço da carreira, esse percentual vai diminuindo”, ressaltou. Consequência, em sua opinião, do viés implícito de estereótipo de gênero, do assédio, da divisão sexual no trabalho e da maternidade.
Ela conta que a Comissão de Equidade, Diversidade e Inclusão da FAPERJ nasceu após uma análise inicial dos editais direcionados à seleção de Cientista e Jovem Cientista do Nosso Estado (CNE e JCNE), revelando que as mulheres submetem menos propostas e têm menor percentual de aprovação quando comparado aos homens. Além disso, mesmo em áreas em que as mulheres são maioria, como as áreas biológicas e da saúde, há maior taxa de aprovação para homens em relação à submissão. Outra falha, no próprio sistema de submissão de propostas, era a inexistência de informação racial e de gênero.
Inspirada no movimento Parent in Science, que nasceu com o objetivo de discutir a parentalidade na ciência e hoje possui 73 embaixadoras em 53 instituições de 18 estados, a Comissão, composta por membros de diferentes áreas do conhecimento e atribuições, vem corrigindo essas distorções. Letícia acredita que, enquanto não houver políticas igualitárias, as medidas devem ser compensatórias. Nesse sentido, a FAPERJ lançou editais específicos para pesquisadoras mães, jovens cientistas mulheres, pesquisadores deficientes e indígenas, em alguns casos, em parceria com outras instituições. Letícia antecipou que em 2026, a FAPERJ deverá lançar edital de enfrentamento à violência contra a mulher, para fomentar o estudo de doenças raras, e para a mitigação de desigualdades sociais.
Lilian Angélica da Silva Sousa, moradora da Maré, mãe de dois filhos foi umas das 156 contempladas das 361 mulheres inscritas no Programa de Apoio às Cientistas Mães com vínculo em ICTs do Estado do Rio de Janeiro. Ao responder à pergunta feita por Leticia: “Qual foi o momento mais importante de sua carreira?”, Lilian elegeu a sua entrada para a UFRJ após uma dezena de concursos realizados em um só ano. “Entrar para uma universidade pública, num momento em que eu precisava optar entre trabalhar e estudar, foi especial”, revela Lilian. Segundo ela, que passou em primeiro lugar sem usar seu direito de cotista negra, outra alegria foi quando ao fazer a clássica foto à frente do letreiro da Escola de Serviço Social da UFRJ, na Praia Vermelha, outra aluna pediu para abraçá-la, emocionada por ser uma aluna negra ingressando na universidade.
A professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Helena Carla Castro, por sua vez, disse que o aspecto tangível importante na sua carreira foi ela ter formado mais de 100 pessoas, e o intangível foi a certeza de ter feito a escolha certa: ser pesquisadora, professora e mãe. “Ter esse direito de escolha é o que a gente precisa na sociedade”, sublinhou, certa de que as mulheres podem contribuir bastante para reverter o cenário de polarização existente no País.
O palco Future também foi cenário do debate “Economia Fluminense 5.0: Fomento, Tecnologia e Decisão baseada em dados”, com a mediação do assessor da Diretoria de Tecnologia da FAPERJ, Guilherme Santos, e a participação do superintendente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), André Nunes, e do presidente da AgeRio, Sérgio Gusman. Eles detalharam as linhas de fomento das suas agências e destacaram a importância do crédito à inovação.
No Palco Pedro Ernesto, pesquisador proferiu a palestra 'Deus existe? A neurociência das crenças'
No quarto e último dia do RIW, sexta-feira, dia 15 de agosto, o Palco Pedro Ernesto, do hospital universitário homônimo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), recebeu Ronald Fischer, doutor em Psicologia Social pela Universidade de Sussex, no Reino Unido, pesquisador no Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino e um dos 10 pesquisadores mais citados no mundo, para a palestra intitulada “Deus existe? A neurociência das crenças”. Por si só, o título já atraiu grande público. Com o sotaque carregado, mas falando em português, Fischer iniciou sua fala dizendo que sua palestra era uma provocação. Dizendo-se um “impostor”, já que sua formação é psicologia e não neurociência, justificou alegando que seu olhar é comportamental e sua equipe é de neurocientistas.
Segundo o pesquisador, religião e as mais diversas crenças não fazem parte da Ciência padrão e que o objetivo do seu grupo de trabalho, que reúne dezenas de profissionais, é justamente quebrar essas barreiras. “Nosso grupo foca na interação entre cultura, cognição e comportamento. Usamos métodos experimentais e observacionais em estudos de laboratório e de campo para examinar como as diferenças individuais acerca de valores, personalidade e crenças funcionam dentro e entre diferentes populações. Acreditamos que, melhorando as percepções sobre a interação entre as dinâmicas individuais e culturais ao longo do tempo e do espaço, podemos ajudar a melhorar o bem-estar, o potencial criativo e a conexão social dos indivíduos em suas comunidades”, resume Fischer.
O pesquisador explicou que a pesquisa foca três pontos fundamentais: as principais dimensões e processos de crença, de ter uma religião; a religiosidade, que muitas vezes é vista com um olhar institucional, enquanto a fé é individual e subjetiva; e a saúde mental, já que a maneira como as pessoas se relacionam com a religião pode ser positiva ou não. Fischer lembrou que, segundo o Censo de 2022, o Brasil possui mais igrejas do que escolas, sendo a religião católica ainda maioria (60%), mas perdendo espaço para a evangélica (20%) e que 20% dos brasileiros afirmam não praticar nenhuma religião, porém, ter outras crenças. Além disso, uma característica singular dos brasileiros é que 53% da população afirma ter mais de uma religião, característica inexistente no mundo acadêmico do exterior e mais de 23% já visitaram centros espíritas e 26% fazem “simpatias”, como acender velas com alguma intenção. Para o pesquisador, apesar de o Brasil diverso ser um atrativo para os antropólogos, é difícil para eles entenderem essa diversidade de crenças.
“Queremos saber como as pessoas se relacionam com o que consideram uma força maior e como isso pode contribuir para a sua saúde”, esclareceu Fischer, para quem a grande pergunta é: "o que é religiosidade?". A teoria é reforçada por seu colega de ID’Or, Jordan Grafman, que em artigo publicado na Science defendeu a importância do estudo da fé e acredita que Deus existe no cérebro das pessoas. Com base em outros estudiosos, há quatro formas de as pessoas se relacionarem com a religião: por meio das crenças, da conexão, do pertencimento e do comportamento.
De acordo com Ronald Fischer, essas quatro dimensões possuem representações diferentes no nosso cérebro e uma extensa revisão bibliográfica mostra que várias partes do cérebro são ativadas quando se pensa em religião e podem ser ampliadas para outros grupos e conexões. Quando se fala em saúde mental, por exemplo, como explicar que diferentes pessoas possam “ouvir vozes”, sendo que algumas evoluem para um surto psicótico e outras não.
Os pesquisadores, que entrevistaram mais de 4 mil pessoas, querem entender esse fenômeno, essas experiências do Inventário de Experiências Não Ordinárias (INOE, em inglês) fora do contexto psiquiátrico. Por fim, Ronald Fischer falou de como hábitos saudáveis influenciam nesse tipo de experiência. A pesquisa incluiu 15 mil entrevistas e revelou que o consumo de frutas, por exemplo, facilitam a regulação emocional, como a maçã, por causa da serotonina. Qualidade do sono e atividades físicas também influenciam nas experiências não ordinárias.
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O pesquisador do IDOR Ronald Fischer, doutor em Psicologia Social pela Universidade de Sussex, no Reino Unido, foi destaque com a palestra 'Deus existe? A neurociência das crenças', no Palco Pedro Ernesto (Foto: Flávia Machado) |
A mediadora Marisa Breitenbach encerrou a conversa ressaltando que as desigualdades e a insegurança social também são fatores que interferem na religiosidade da população, além do sincretismo religioso, que é expressivo no Brasil.
Entre cobras e lagartos: do veneno à cura de doenças
O palco Hupe recebeu na tarde de sexta (15/8) a professora e pesquisadora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Russolina Zingali. A pesquisadora apresentou, ao lado de Silas Pessini, professor adjunto da UFRJ, a palestra “Do veneno à cura: como as cobras estão inspirando novos medicamentos”. Na verdade, Lina, como é chamada carinhosamente pelos pares, falou de cobras, aranhas e escorpiões, conhecidos como animais peçonhentos por possuírem um aparelho específico para injetar seu veneno (presas); de peixes, lagartas e lagartos, animais venenosos que não possuem esse recurso para injetar seu veneno.
Símbolo da medicina e outras profissões ligadas à saúde, a serpente no Brasil abrange 321 espécies e 75 gêneros, das quais a Jararaca é responsável por 90% dos acidentes com picadas, que chegam a 30 mil por ano. Lina explicou que os diversos venenos de cobras atuam em vários sistemas fisiológicos, provocando reações variadas após a picada, e que o soro antiofídico específico para cada cobra é o único tratamento, mas que os componentes do veneno podem gerar novos medicamentos, como vem acontecendo. Ele citou o caso do Captopril, medicamento utilizado para regular a pressão arterial, derivado do veneno da Jararaca; e do queridinho do momento, o Ozempic, derivado do veneno de um lagarto. A pesquisadora completa informando que a cobra Coral possui 30 substâncias com atividades diferentes.
Lina lembrou que apesar de o soro antiofídico ter sido desenvolvido pelo pesquisador Albert Calmette, foi o brasileiro Vital Brazil que descobriu que o soro deveria ser específico para cada serpente. A pesquisadora disse que 90 a 95% das substâncias encontradas nos venenos são proteínas e peptídeos (enzimas e não enzimas). Em laboratório, as proteínas que se revelam interessantes são clonadas, expressadas, modificadas e reduzidas. Lina deu o exemplo da jararacina e da jarastatina, duas moléculas antitrombóticas derivadas da Jararaca que estão sendo estudadas no laboratório; e das propriedades especiais do veneno da cobra Coral, que atua no Sistema Nervoso Central minimizando a dor.
Silas Pessini falou sobre como as proteínas são trabalhadas e as diversas sequências, estruturas e suas funções na célula. Segundo ele, todas as manifestações de doenças envolvem pelo menos uma proteína. De acordo com o pesquisador, hoje, com a ajuda da Inteligência Artificial, vem sendo desenvolvido o Design de Proteína, a partir da modificação de sua estrutura. Pessini disse que de mil sequências de proteínas desconhecidas, os algoritmos buscam as informações nos bancos de dados e trazem excelentes resultados. Uma dessa proteínas é proveniente do veneno do escorpião (a MEUK7-3), utilizada em doenças autoimunes e neuroinflamatórias. O pesquisador também ressaltou o desenvolvimento da Skycovione, uma vacina desenvolvida com a ajuda da IA que vem sendo testada na Coreia, forte candidata contra a Covid-19. Ao reconhecer as contribuições da IA para a Ciência, Pessini defendeu seu “uso responsável, inclusivo e sustentável”.