Débora Motta
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De acordo com os pesquisadores Emanuelle Reis e D'Angelo Magliano, o consumo do Bisfenol S, substância encontrada na composição de embalagens de plástico, causou acúmulo de gordura no fígado e danos ao metabolismo de camundongos (Foto: Divulgação) |
O mundo acaba de assistir a uma rodada de negociação internacional para reduzir a poluição global por plásticos, sem resultados efetivos. Reunidos na sexta-feira, 15 de agosto, no Palais des Nations, sede da Organização das Nações Unidos (ONU) em Genebra, representantes de 185 países terminaram o encontro sem um texto-base aprovado, para a redação de um tratado sobre o tema. Entre os países defensores de cortes na produção de plásticos e as nações produtoras de petróleo, que preferem restringir o acordo à gestão de resíduos, houve um impasse.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), estima-se que o mundo produza 430 milhões de toneladas de plástico anualmente. Desse número, dois terços se tornam resíduos, poluindo terra, mar e ar, e se acumulando na cadeia alimentar humana. Diante desse desafio ambiental, pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Morfologia e Metabolismo, da Universidade Federal Fluminense (NuPeMM/UFF) investigam os efeitos do Bisfenol S – substância encontrada na composição dos plásticos – sobre o fígado e o metabolismo.
“Encontramos resultados interessantes, como o aumento do estresse celular e o acúmulo de lipídios no fígado, causados pela ingestão do Bisfenol S em camundongos”, resumiu o coordenador do estudo, o professor da UFF e biomédico D’Angelo Magliano, contemplado pela FAPERJ no programa Jovem Cientista do Nosso Estado.
A pesquisa foi desenvolvida por sua aluna, a biomédica Emanuelle Barreto dos Reis, que cursou o mestrado em Patologia na UFF entre 2022 e 2024, sob orientação de D’Angelo. O trabalho resultou na publicação de artigo na revista científica internacional Enviromental Pollution, intitulado Chronic exposure to bisphenol S impairs hepatic mitochondrial dynamics, induces endoplasmic reticulum stress, and worsens metabolism in high-fat diet fed mice.
D’Angelo explicou que a escolha do Bisfenol S como objeto de estudo é por si só um diferencial. “É consenso, na literatura científica, que o Bisfenol A, que era utilizado largamente pela indústria na produção de plásticos, causa câncer e está relacionado a diversas doenças, como obesidade e doenças cardiovasculares. Por isso, no Brasil, seu uso em mamadeiras foi proibido pela Anvisa, em 2012. Mas não sabemos de outros estudos sobre os efeitos do Bisfenol S para a saúde. O Bisfenol S vem sendo utilizado pelos fabricantes de plástico para substituir o uso de Bisfenol A, diante dessa regulamentação”, justificou ele.
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Poluição ambiental por plásticos: estima-se que o mundo produza 430 milhões de toneladas de plástico todo ano, segundo o Pnuma (Foto: Agência Brasil/Divulgação) |
“Estamos expostos a plásticos a todo momento, seja em casa ou na rua, e esse componente que estudamos, o Bisfenol S, está contido até nos potes de plástico BPA free. Quando o plástico é aquecido, no micro-ondas por exemplo, libera mais essas substâncias. Por isso, precisamos estudar e conhecer melhor os seus efeitos, para nortear a formulação de políticas públicas para a Saúde e futuras regulamentações”, completou Emanuelle.
Nos laboratórios multiusuários do Instituto Biomédico da UFF, eles realizaram testes com camundongos adultos da cepa C57BL/6. Os animais foram divididos em quatro grupos: o grupo controle, que ingeria água pura ou água com Bisfenol S; e os grupos de camundongos obesos, alimentados com dieta hipercalórica por 12 semanas, e expostos ou não à ingestão de Bisfenol S. Foram avaliados nos animais fatores como mudanças de massa corporal e dos perfis lipídicos e glicêmicos, além das mudanças na morfologia do fígado e no metabolismo, entre outros fatores.
“O que mais nos deixou surpresos foi que o grupo magro, o controle, que ingeriu Bisfenol S misturado à água apresentou muitas alterações metabólicas e no fígado. Vimos que esse grupo desenvolveu um acúmulo de gordura no fígado importante apenas ingerindo Bisfenol S, mesmo sem ser submetido à dieta hipercalórica. Ele teve aumento de massa corporal em relação ao grupo controle”, detalhou D’Angelo.
Eles concluíram, assim, que o Bisfenol S estimulou o ganho de massa corporal e a esteatose hepática (doença que gera o acúmulo de gordura no fígado); que o Bisfenol S combinado com uma dieta hipercalórica piora consideravelmente o metabolismo da glicose e do colesterol, causando resistência à insulina; e que essa substância induziu a fissão mitocondrial e o estresse do retículo endoplasmático, exacerbados pela dieta hipercalórica.
Desde 2024, Emanuelle dá continuidade ao seu tema de pesquisa, dessa vez cursando o Doutorado em Ciências Biomédicas, na UFF, também sob orientação de D’Angelo e da professora Eliete Dalla Corte Frantz. “Agora, estou investigando o impacto de diferentes doses de Bisfenol S na morfologia e no metabolismo hepático em camundongos machos e fêmeas que estão em fase de crescimento, para termos uma noção de como o contato com essa substância na infância, nos primeiros anos de desenvolvimento, geraria impactos ao organismo”, contou.
Para o biomédico, o estudo abre um caminho para que mais pesquisas sejam desenvolvidas sobre o tema, de grande relevância social e ambiental, diante do aumento da poluição plástica no mundo. “Nosso objetivo é alertar os governantes para os danos que essas substâncias causam à Saúde e fazer Divulgação Científica para a população, dar dicas de como se expor menos a esses reguladores, usando potes de vidro para aquecer os alimentos e diminuindo o contato com recipientes de plástico”, concluiu D’Angelo. Ele integra o Instituto Nacional de Desreguladores Endócrinos e Repercussões Endócrino-Metabólicas, coordenado por Patrícia Cristina Lisbôa da Silva e Leandro Miranda Alves.