Paula Guatimosim
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Estudo sobre os processos de adaptação socioculturais de refugiados na capital fluminense demonstra que o estresse influencia a capacidade das crianças e seus familiares a dominarem o novo idioma (Foto: Aldeias Infantis SOS) |
Enquanto os Estados Unidos implementam uma nova política migratória após a mudança de governo em Washington nesse início de 2025, que pode resultar na maior deportação de imigrantes irregulares da história americana, o Brasil tem acolhido e apoiado refugiados. No País, migrantes e refugiados possuem os mesmos direitos, garantias e direitos sociais previstos para a população brasileira.
Especialistas nesse tema, como a pesquisadora Regina Andrade, que há mais de 12 anos se dedica ao tema na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social (PPGPS), ficaram surpresos com as medidas anunciadas pelo novo titular da Casa Branca. O Brasil possui acordos bilaterais com cerca de 90 nações, abolindo, reciprocamente, a exigência de visto. Segundo dados do Boletim das Migrações divulgado em outubro de 2024, nos últimos 14 anos no Brasil circularam nada menos que 2,3 milhões de pessoas em fluxo migratório. “O governo brasileiro é um dos que melhor acolhem os imigrantes e refugiados, com leis anteriores ao governo de Getúlio Vargas”, salienta Regina.
Regina conta com apoio da FAPERJ desde o início dos anos 2000, quando se tornou Professora Titular do Instituto de Psicologia da Uerj. Atualmente, apoiada pelo programa Cientista do Nosso Estado da Fundação até o final de 2025 com o projeto “Processos de Adaptação Socioculturais de Refugiados na Cidade do Rio de Janeiro”, Regina convive de perto com a realidade dessas famílias. Dividida em três etapas, a pesquisa já investigou o “bilinguismo cultural”, observando como o estresse influencia a capacidade das crianças e seus familiares a dominarem o novo idioma, fundamental para sua integração escolar e social. Na segunda etapa, também através de testes psicológicos, a pesquisa verificou a situação das crianças venezuelanas com dificuldade de aquisição de uma nova língua, e quais as alternativas propostas para que elas superem este obstáculo.
Neste ano de 2025, a equipe completará a terceira etapa do projeto, de averiguar o que se passa com a população de adolescentes e jovens migrantes e refugiados em seus processos de adaptação sociocultural e psicológica, em resposta a uma demanda da orientadora pedagógica Ana Cristina Nunes, das Aldeias Infantis SOS-Brasil-Itanhangá, no bairro de mesmo nome na capital fluminense.
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Projeto investiga a adaptação de jovens e famílias em situação de imigração ou de refúgio na cidade do Rio de Janeiro |
Para viabilizar suas pesquisas, Regina conta com a parceria da Cáritas-Brasil, por meio de convênio firmado entre a Uerj e a entidade ligada à Arquidiocese Católica Brasileira, fundada em 12 de novembro de 1956, a partir das ações mobilizadoras de Dom Helder Câmara. Trata-se de um organismo criado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que conta com financiamento da Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). O trabalho também tem parceria com a Cátedra Sergio Vieira de Melo, já instalada em quase todo o Brasil com a missão de acolher migrantes e refugiados. A equipe também tem acesso às Aldeias Infantis SOS (núcleo Itanhangá, Rio de Janeiro), organização associada à Cáritas, que atua no cuidado e proteção de crianças, adolescentes e famílias. Foi criada pela Acnur para promover, principalmente, a educação, pesquisa e extensão voltada à população em condição de migração e refúgio.
Regina e seu grupo de trabalho, formado por professores, alunos e pesquisadores, nacionais e internacionais, têm acesso as crianças jovens e suas famílias de migrantes e refugiados em diásporas por motivo político, religioso, étnico ou de absoluta carência em seus países e que vieram para o Rio de Janeiro.
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Regina Andrade: para a pesquisadora, o governo brasileiro é um dos que melhor acolhem os imigrantes e refugiados |
Psicóloga e doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela utiliza como método a pesquisa participativa e qualitativa com grupos operativos, entrevistas e encontros, propostos pelo psiquiatra e psicanalista Enrique Pichon Rivière (1907-1977), que nasceu na Suíça, mas passou grande parte de sua vida na Argentina. Regina explica que, assim, consegue ao mesmo tempo obter os dados da pesquisa e promover reflexões e trocas de experiências. “Trabalhamos com a parte viva da pesquisa, com os sujeitos, as crianças, jovens e famílias em situação de imigração ou de refúgio, uma população muito vulnerável", explica.
Para analisar os dados obtidos nas dinâmicas de grupo, sua equipe utiliza o referencial teórico do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), cujo método trafega por diversas áreas do saber a fim de compreender as estruturas que formam a sociedade. Entre os resultados esperados, a equipe busca apoio de grupos internacionais às demandas dos jovens e suas famílias por inserção em escolas e no mercado de trabalho, entre outras necessidades dos que se encontram na situação de “acolhidos”.
No período de 5 a 10 de maio de 2025, a Uerj, através o Instituto de Psicologia e a Faculdade de Comunicação Social, vai sediar o 13° Colóquio Internacional de Fronteiras Abertas para Jovens Migrantes, evento híbrido (presencial e remoto) que também conta com apoio da FAPERJ por meio do Edital de Apoio a Eventos Científicos. Leitora assídua do Boletim FAPERJ, Regina considera a newsletter da Fundação – criada em 2004 e enviada semanalmente à comunidae científica trazendo com informações sobre os editais em andamento ao lado de matérias voltadas para a Divulgação Científica – um grande orientador para os professores, alunos e pesquisadores, cujas informações são de fundamental importância para o Rio de Janeiro.
Outro trabalho relevante coordenado pela pesquisadora, de 2024 até 2026, é o projeto “Mulheres Migrantes Negras em Diáspora no Brasil – Cartografia das Opressões”, desta vez financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O trabalho geral é coordenado por Graça Hoefel, professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília e reúne seis universidades federais (DF, RS, AC, PE, MG) além da Uerj (estadual) e de Ministérios (Saúde, Mulher) na capacitação de 60 mulheres migrantes negras e bolsistas (10 em cada estado), cujo treinamento irá capacitá-las para atuarem como Agentes de Saúde no Brasil.
Aposentada desde 2014, Regina Andrade, que também recebeu apoio da FAPERJ com bolsa de "Pesquisador de Visitante Emérito (PVE)", por quatro anos, investe toda sua energia na Uerj. Baiana, está no Rio de Janeiro desde 1985 e tem um pé no samba também. Na comunidade da Mangueira, ela orienta um aluno com bolsa de Pós-Doutorado concedida pela FAPERJ em sua pesquisa sobre a Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira. Ali, mais precisamente no Museu do Samba, que abriga em seu Departamento Educacional o Centro Cultural Cartola, ela, ocasionalmente, também trabalha com jovens.